(Ou as desproporções sem sentido que poderia ser o título
alternativo desta crónica. Ao contrário da sempre atenta Susana Peralta que
equacionou o caso em função do atraso português na reabertura das escolas, o
meu incómodo com o dossier UEFA é de ordem absoluta, ponto. O que me parece é que a grande festa governamental com o arraial da
Champions em vez de servir os interesses que visava mostra pelo contrário um
Governo na defensiva relativamente à gestão do COVID.)
Convenhamos que assistir à cerimónia oficial de congratulação pela decisão
de trazer para Lisboa os últimos jogos da Champions com tal aparato e
envolvimento das principais figuras do Estado incomoda pela desproporção evidente
que pairou sobre aquela cerimónia. Todos sabemos que o cutelo que paira sobre o
turismo nacional e sobre o que ele representa em termos de geração de valor
acrescentado nacional e de exportações de serviços constitui uma ameaça de
fazer perder o sono a qualquer primeiro-ministro. Podemos nos consolar dizendo
que em toda a crise existe uma oportunidade e que as formas de turismo
sustentável, de natureza ou rural irão ter no imediatamente após pandemia uma
grande oportunidade. Mas, por mais importantes que essas formas de turismo se assumam no futuro próximo e até no presente,
não custa admitir que os grandes números que se fixam nas pequenas agendas dos
ministros e nos players mais representativos do setor não são esses, mas
antes os que são alimentados pelo transporte aéreo agora em suspenso.
As ameaças são de grande magnitude (ver artigo publicado no The Guardian)
e por isso qualquer mezinha que possa contribuir para nuvens menos negras é
politicamente entendida como tábua de salvação. Pode assim perguntar-se se a
cerimónia UEFA é uma dessas tábuas de salvação, visando recuperar a imagem do
país como destino turístico e fazer recordar 2004. Mas a pompa e circunstância
com que a decisão UEFA foi anunciada é manifestamente desproporcionada e o furo
na engrenagem esteve na alusão ao facto da decisão da UEFA representar uma homenagem
aos profissionais de saúde em Portugal. Acho que deve haver algum efeito
desconhecido sobre os neurónios provocados pelas câmaras de televisão.
A minha interpretação é um pouco mais pérfida. Em meu entender, o governo de
António Costa está em matéria de COVID em má onda depois de ter andado pela
crista da mesma. Tal como o já referi em comentários anteriores, o período
atual da pandemia em Portugal está no fio da navalha: não permite, por um lado,
estabilizar confiança no desconfinamento e, por outro, alimenta surtos suicidas
como o de Lagos. Podemos discutir a irracionalidade ou injustiça das proibições
de entrada de portugueses por alguns países da UE em função da dimensão dos
novos casos diários que têm emergido em Portugal. Mas a decisão está tomada e
enquanto durar deixa sequelas que abalam a gestão política prudencial que tem
sido concretizada até agora. Não foi por acaso que, hoje, António Costa numa
intervenção cuidada e minuciosa que realizou sobre essas proibições, citou a
decisão UEFA como o melhor exemplo de que esses países estavam errados. Espanta
o argumento, como se a UEFA e o futebol fossem exemplos credíveis de
racionalidade e segurança.
Daí a minha pérfida interpretação: mais do que um impulso de imagem para
Portugal, a vinda da fase final da Champions para Portugal é uma arma de defesa
para um governo que passou a estar na defensiva em matéria COVID depois de ter
revelado uma competente gestão política durante bastante tempo. Sobretudo,
porque ninguém consegue antecipar em que condições concretas de disseminação
pandémica vai a fase final decorrer em Portugal. Também porque ninguém consegue
antecipar se será com público e com que público esse evento vai acontecer.
E lá regresso eu às capabilities. A gestão prudencial foi durante
algum tempo uma dessas capabilities que explicou o relativo êxito de
Portugal. Porquê então a inversão e se ter entrado em zigue-zague nessa gestão?
Uma boa questão, já que os atributos e capacidades da persistência e a má
convivência como o êxito são muitas vezes responsáveis pelas nossas saídas de
estrada. Intuo que algo de similar está neste momento a acontecer.
Uma nota final, que é uma pergunta também incómoda:
Em tantos anos de democracia, ainda não deu para perceber que uma região de
grande exposição ao exterior como o Algarve necessita de um hospital central e
um sistema de saúde à prova de bala? Haverá algum português, por mais estúpido
que seja, que tenha dificuldade em compreender esta evidência?
Bem sei que a representação política do Algarve definha há muitos anos, mas
será que o interesse nacional, por vezes tão levianamente invocado, não compreende
por si só esta necessidade?
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