segunda-feira, 29 de junho de 2020

TURISMO



(É verdade que as cadeias de valor globais estão de pernas para o ar e se os historiadores económicos se empenharam em comparar a Grande Depressão de 1930 com a Grande Recessão de 2008 têm agora vasta matéria para aprofundar essa comparação com a crise ditada pela pandemia. Mas talvez a atividade que enfrenta a maior perturbação seja o turismo pois os seus principais agentes, transporte aéreo e pessoas vão demorar algum tempo a recuperar o seu relacionamento.

Como é habitual em Portugal, os temas da “turistificação” e da gentrificação das cidades ditada pelo cosmopolitismo urbano, nomeadamente turístico, chegaram com atraso, com muito atraso. E não é menos verdade que também como frequentemente acontece os contornos do debate são forçados para a nossa realidade, como se quiséssemos compensar o atraso com a demonstração de que as nossas derivas e excessos estão ao nível dos observados onde tais fenómenos ganharam expressão inicial. Para além disso, a também usual prática de tomar a nuvem (Lisboa) por Juno (o país) ajuda a missa e rapidamente também o Porto começa a ter de demonstrar que também está no barco dos mesmos excessos. Como é óbvio, os que se comprometeram precocemente com o debate nunca se quiseram colocar face à questão do contrafactual: o que seriam as nossas Cidades principais sem essa pressão turística?

Esta questão não se confunde com um outro problema, esse já conhecido há bastante mais tempo e que se prende com a chamada “tourism disease”, que é mais uma questão macroeconómica e das condições de especialização das economias. O Algarve e a Região Autónoma da Madeira (RAM) são os nossos únicos exemplos. O turismo influencia a especialização produtiva das regiões focadas nessa atividade, dificultando a diversificação produtiva e suscita um desafio enorme à chamada especialização inteligente. Ou seja, como incorporar maior intensidade de conhecimento nesse modelo de especialização? As estratégias regionais de especialização inteligente do Algarve e da RAM evidenciaram com clareza como é difícil a génese da inovação nesses modelos de especialização.

No período imediatamente anterior à pandemia, algumas garras anti-turismo começavam a surgir no debate, afinal os outros já eram de mais. Tudo isso ruiu com a pandemia e com a colocação do cenário oposto, o emprego que se perdeu, o rendimento que não chega, o capital investido que não se rendibiliza e como sempre nestas coisas do mercado os últimos a entrar são sempre o mexilhão do processo.

O António Guerreiro que escreve no Público não é um prosador fácil, antes pelo contrário, é bastante hermético. Mas na sua última crónica (link aqui), traz-nos uma reflexão bem oportuna em tempos de penúria:

“ (…) Podemos e devemos criticar com violência (porque é a única maneira de lutar contra o que também produz violência) o problema da gestão do turismo, da sua planificação pelo poder político e gestionário, no quadro de uma planificação cultural, urbanística e social. Mas de modo nenhum podemos pensar em prescindir dos “estrangeiros”. Não por eles trazerem prosperidade económica (motivo importante, mas não é disso que trato aqui), mas porque as culturas vivem de reflexos e contra-reflexos, de olhares recíprocos. Sem isso, estiolam e vivem na cegueira. Alguém pensa que foram os lisboetas que descobriram a beleza de Lisboa, aquela que é atualmente tão reconhecida e celebrada? Alguém pensa que antes de os alemães e holandeses freaks terem começado a visitar e a instalar-se na costa alentejana algum autóctone sabia olhar para as praias e para o mar que tinha à sua frente? Foi sempre o olhar de outrem a ativar o nosso próprio olhar.”

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