(É verdade que as cadeias de valor globais estão de
pernas para o ar e se os historiadores económicos se empenharam em comparar a
Grande Depressão de 1930 com a Grande Recessão de 2008 têm agora vasta matéria
para aprofundar essa comparação com a crise ditada pela pandemia. Mas talvez a atividade que enfrenta a maior perturbação seja o turismo pois
os seus principais agentes, transporte aéreo e pessoas vão demorar algum tempo
a recuperar o seu relacionamento.
Como é habitual em Portugal, os temas da “turistificação” e da
gentrificação das cidades ditada pelo cosmopolitismo urbano, nomeadamente turístico,
chegaram com atraso, com muito atraso. E não é menos verdade que também como
frequentemente acontece os contornos do debate são forçados para a nossa
realidade, como se quiséssemos compensar o atraso com a demonstração de que as
nossas derivas e excessos estão ao nível dos observados onde tais fenómenos ganharam
expressão inicial. Para além disso, a também usual prática de tomar a nuvem
(Lisboa) por Juno (o país) ajuda a missa e rapidamente também o Porto começa a
ter de demonstrar que também está no barco dos mesmos excessos. Como é óbvio,
os que se comprometeram precocemente com o debate nunca se quiseram colocar
face à questão do contrafactual: o que seriam as nossas Cidades principais sem essa
pressão turística?
Esta questão não se confunde com um outro problema, esse já conhecido há
bastante mais tempo e que se prende com a chamada “tourism disease”, que
é mais uma questão macroeconómica e das condições de especialização das
economias. O Algarve e a Região Autónoma da Madeira (RAM) são os nossos únicos
exemplos. O turismo influencia a especialização produtiva das regiões focadas
nessa atividade, dificultando a diversificação produtiva e suscita um desafio
enorme à chamada especialização inteligente. Ou seja, como incorporar maior
intensidade de conhecimento nesse modelo de especialização? As estratégias
regionais de especialização inteligente do Algarve e da RAM evidenciaram com
clareza como é difícil a génese da inovação nesses modelos de especialização.
No período imediatamente anterior à pandemia, algumas garras anti-turismo começavam
a surgir no debate, afinal os outros já eram de mais. Tudo isso ruiu com a
pandemia e com a colocação do cenário oposto, o emprego que se perdeu, o rendimento
que não chega, o capital investido que não se rendibiliza e como sempre nestas
coisas do mercado os últimos a entrar são sempre o mexilhão do processo.
O António Guerreiro que escreve no Público não é um prosador fácil, antes
pelo contrário, é bastante hermético. Mas na sua última crónica (link aqui), traz-nos uma
reflexão bem oportuna em tempos de penúria:
“ (…) Podemos e devemos criticar com
violência (porque é a única maneira de lutar contra o que também produz
violência) o problema da gestão do turismo, da sua planificação pelo poder
político e gestionário, no quadro de uma planificação cultural, urbanística e social.
Mas de modo nenhum podemos pensar em prescindir dos “estrangeiros”. Não por eles
trazerem prosperidade económica (motivo importante, mas não é disso que trato
aqui), mas porque as culturas vivem de reflexos e contra-reflexos, de olhares
recíprocos. Sem isso, estiolam e vivem na cegueira. Alguém pensa que foram os
lisboetas que descobriram a beleza de Lisboa, aquela que é atualmente tão
reconhecida e celebrada? Alguém pensa que antes de os alemães e holandeses
freaks terem começado a visitar e a instalar-se na costa alentejana algum
autóctone sabia olhar para as praias e para o mar que tinha à sua frente? Foi
sempre o olhar de outrem a ativar o nosso próprio olhar.”
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