(A conclusão que podemos formular é que o Primeiro-Ministro
deve respirar confiança para ainda praticamente no meio de uma pandemia regularizar
o que começou a ficar torto com a aparente incomodidade que Mário Centeno vinha revelando e
proceder à mudança da peça fundamental que o Ministro das Finanças sempre
representa para uma economia como a portuguesa. Sem fontes especiais de informação, nunca saberemos se nesta aparente crise
há ou não muito de criatividade mediática, pois com a exceção dos desvarios do
futebol caseiro, tem havido pouca matéria propensa a soundbites que se ouçam.)
Mário Centeno e a sua passagem pelo Ministério das Finanças num momento tão
particular da economia portuguesa vieram inequivocamente confirmar a minha
convicção, que tem largos anos, de que a prática política desperta em muitos
atores políticos competências ocultas ou pelo menos dificilmente identificáveis
pelos vulgares mortais. Como é óbvio, não podemos ignorar que as prestações do
ex-Ministro essencialmente em tom de recuperação de desigualdades agravadas pelo
ajustamento liderado pela Troika podem parcialmente pelo menos explicar a
popularidade de Centeno, ombreando por vezes com a de Marcelo e Costa. É claro
que nem tanto ao mar nem tanto à terra. A declaração laudatória de Ana Catarina
Mendes a Centeno após a concretização da sua saída do Governo soa a comida requentada
à qual se pretende ardilosamente dar um ar de comida requintada. Mas o que
confirma a minha tese é o facto de Mário Centeno ter partido para o exercício
do cargo com um conjunto de características pessoais aparentemente pouco
favoráveis à mediatização e popularização das suas funções, tais como o fácies,
o sorriso, a atitude de reverência que passou em algumas imagens europeias e
até algumas vezes alguma ingenuidade na verbalização de algumas opiniões ou
comentários. E, aparentemente, ter superado essas desvantagens e ter realizado
a sua própria aprendizagem política. O que corresponde à minha convicção de que
a atividade política é um campo excelente para observarmos a evolução das
competências em contexto de trabalho. A política não se faz apenas com
predestinados intuitivos para o seu exercício, por muito carismáticos que esses
intuitivos possam ser. Faz-se também de muita aprendizagem.
Em meu entender, mais do que a façanha de ter chegado à Presidência do
Eurogrupo e trazer para a democracia portuguesa um superavit orçamental, o que
marca realmente a passagem de Mário Centeno pela vida política portuguesa é o
facto dele ter sido o principal responsável da manietação da direita portuguesa
em matéria e enquadramento orçamental do crescimento económico português. É
verdade que a direita pode trazer para o debate questões como a pouco
transparente interpretação do significado de carga fiscal e o modo como segurou
a incontinência orçamental de alguns serviços públicos. Mas a verdade é que a
maneira como Centeno ocupou o Ministério das Finanças e a questão orçamental
colocou a direita no plano das minudências, contrafeita com a sensação de que
Centeno lhe ocupou a frente orçamental, retirando-lhe qualquer veleidade de
propor uma alternativa consequente.
Tenho para mim que, na preparação do Plano Económico com que o PS se
apresentou ao eleitorado, posteriormente reorientado em função do espectro
político da geringonça (e que paciência revelou Centeno para gerir esse novo
quadro!), houve um triângulo (Mário Centeno, João Leão e Paulo Trigo Pereira)
que posteriormente se desfez, não só porque os dois primeiros assumiram a
governação e o terceiro foi eleito como deputado, tendo posteriormente rompido
com a associação ao PS. A primeira e única vez que privei em reunião pública
com João Leão, já ele assumia funções no Gabinete de Estudos do Ministério da
Economia, tendo aí percebido uma dimensão estrutural de pensamento que não é
comum reconhecer nos economistas portugueses mais identificados com o mainstream
macroeconómico. Imagino também que a sua prática como Secretário de Estado do
Orçamento lhe terá proporcionado uma riquíssima experiência sobre a arte de
controlar a despesa pública em Portugal. Estou com séria curiosidade em saber se
essa arte do controlo poderá ou não evoluir para padrões mais modernos e
transparentes, designadamente introduzindo dimensões de planeamento pluri-anual
que se perderam irremediavelmente na carga mediática enorme do défice anual.
O novo ministro das Finanças vai encontrar um contexto de trabalho
totalmente distinto daquele em que Centeno concretizou a sua virtuosa
aprendizagem. A recessão anda por aí de novo, a dívida assusta e há três
exercícios que vão exigir uma coordenação política e estratégica para a qual se
procura competência: o Plano de Estabilização da Economia Portuguesa, o Plano
de Recuperação sob a unidade de missão entregue a António Costa e Silva e a
preparação do PT 2030. E não esqueçamos a nova proeminência e notoriedade do
ministro da Economia Pedro Siza Vieira, tudo questões que não fizeram parte dos
grandes problemas enfrentados por Centeno.
E, last but not the least, há a questão do futuro de Centeno. Subjacente
a esta questão, perfila-se perante mim a estranha sensação do vazio de
personalidades para ocupar o cargo de Governador do Banco de Portugal. Académicos
não os vislumbro, mesmo que buscando entre os estrangeirados, potencialmente
retornados ou irreversivelmente mergulhados na vida universitária e outros
países. A hipótese de um concurso internacional, tipo Mark Carney no Banco
Central de Inglaterra, ainda me parece demasiado audaciosa para o burgo embora pessoalmente
não me chocasse. Ora neste contexto o Banco de Portugal parece pender entre a
controversa passagem de Centeno de ex-ministro a Governador, passando pelo
regresso intercalar às suas funções técnicas no BP (acaso haja tempo para esse
interregno) e a eminência parda do Vice-Governador Luís Máximo dos Santos
provavelmente mais próximo hoje de António Costa do que o próprio Centeno.
Mas a que raio de escolhas estamos submetidos!
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