quarta-feira, 10 de junho de 2020

CENTENO LEÃO



(A conclusão que podemos formular é que o Primeiro-Ministro deve respirar confiança para ainda praticamente no meio de uma pandemia regularizar o que começou a ficar torto com a aparente incomodidade que Mário Centeno vinha revelando e proceder à mudança da peça fundamental que o Ministro das Finanças sempre representa para uma economia como a portuguesa. Sem fontes especiais de informação, nunca saberemos se nesta aparente crise há ou não muito de criatividade mediática, pois com a exceção dos desvarios do futebol caseiro, tem havido pouca matéria propensa a soundbites que se ouçam.)

Mário Centeno e a sua passagem pelo Ministério das Finanças num momento tão particular da economia portuguesa vieram inequivocamente confirmar a minha convicção, que tem largos anos, de que a prática política desperta em muitos atores políticos competências ocultas ou pelo menos dificilmente identificáveis pelos vulgares mortais. Como é óbvio, não podemos ignorar que as prestações do ex-Ministro essencialmente em tom de recuperação de desigualdades agravadas pelo ajustamento liderado pela Troika podem parcialmente pelo menos explicar a popularidade de Centeno, ombreando por vezes com a de Marcelo e Costa. É claro que nem tanto ao mar nem tanto à terra. A declaração laudatória de Ana Catarina Mendes a Centeno após a concretização da sua saída do Governo soa a comida requentada à qual se pretende ardilosamente dar um ar de comida requintada. Mas o que confirma a minha tese é o facto de Mário Centeno ter partido para o exercício do cargo com um conjunto de características pessoais aparentemente pouco favoráveis à mediatização e popularização das suas funções, tais como o fácies, o sorriso, a atitude de reverência que passou em algumas imagens europeias e até algumas vezes alguma ingenuidade na verbalização de algumas opiniões ou comentários. E, aparentemente, ter superado essas desvantagens e ter realizado a sua própria aprendizagem política. O que corresponde à minha convicção de que a atividade política é um campo excelente para observarmos a evolução das competências em contexto de trabalho. A política não se faz apenas com predestinados intuitivos para o seu exercício, por muito carismáticos que esses intuitivos possam ser. Faz-se também de muita aprendizagem.

Em meu entender, mais do que a façanha de ter chegado à Presidência do Eurogrupo e trazer para a democracia portuguesa um superavit orçamental, o que marca realmente a passagem de Mário Centeno pela vida política portuguesa é o facto dele ter sido o principal responsável da manietação da direita portuguesa em matéria e enquadramento orçamental do crescimento económico português. É verdade que a direita pode trazer para o debate questões como a pouco transparente interpretação do significado de carga fiscal e o modo como segurou a incontinência orçamental de alguns serviços públicos. Mas a verdade é que a maneira como Centeno ocupou o Ministério das Finanças e a questão orçamental colocou a direita no plano das minudências, contrafeita com a sensação de que Centeno lhe ocupou a frente orçamental, retirando-lhe qualquer veleidade de propor uma alternativa consequente.

Tenho para mim que, na preparação do Plano Económico com que o PS se apresentou ao eleitorado, posteriormente reorientado em função do espectro político da geringonça (e que paciência revelou Centeno para gerir esse novo quadro!), houve um triângulo (Mário Centeno, João Leão e Paulo Trigo Pereira) que posteriormente se desfez, não só porque os dois primeiros assumiram a governação e o terceiro foi eleito como deputado, tendo posteriormente rompido com a associação ao PS. A primeira e única vez que privei em reunião pública com João Leão, já ele assumia funções no Gabinete de Estudos do Ministério da Economia, tendo aí percebido uma dimensão estrutural de pensamento que não é comum reconhecer nos economistas portugueses mais identificados com o mainstream macroeconómico. Imagino também que a sua prática como Secretário de Estado do Orçamento lhe terá proporcionado uma riquíssima experiência sobre a arte de controlar a despesa pública em Portugal. Estou com séria curiosidade em saber se essa arte do controlo poderá ou não evoluir para padrões mais modernos e transparentes, designadamente introduzindo dimensões de planeamento pluri-anual que se perderam irremediavelmente na carga mediática enorme do défice anual.

O novo ministro das Finanças vai encontrar um contexto de trabalho totalmente distinto daquele em que Centeno concretizou a sua virtuosa aprendizagem. A recessão anda por aí de novo, a dívida assusta e há três exercícios que vão exigir uma coordenação política e estratégica para a qual se procura competência: o Plano de Estabilização da Economia Portuguesa, o Plano de Recuperação sob a unidade de missão entregue a António Costa e Silva e a preparação do PT 2030. E não esqueçamos a nova proeminência e notoriedade do ministro da Economia Pedro Siza Vieira, tudo questões que não fizeram parte dos grandes problemas enfrentados por Centeno.

E, last but not the least, há a questão do futuro de Centeno. Subjacente a esta questão, perfila-se perante mim a estranha sensação do vazio de personalidades para ocupar o cargo de Governador do Banco de Portugal. Académicos não os vislumbro, mesmo que buscando entre os estrangeirados, potencialmente retornados ou irreversivelmente mergulhados na vida universitária e outros países. A hipótese de um concurso internacional, tipo Mark Carney no Banco Central de Inglaterra, ainda me parece demasiado audaciosa para o burgo embora pessoalmente não me chocasse. Ora neste contexto o Banco de Portugal parece pender entre a controversa passagem de Centeno de ex-ministro a Governador, passando pelo regresso intercalar às suas funções técnicas no BP (acaso haja tempo para esse interregno) e a eminência parda do Vice-Governador Luís Máximo dos Santos provavelmente mais próximo hoje de António Costa do que o próprio Centeno.

Mas a que raio de escolhas estamos submetidos!

Sem comentários:

Enviar um comentário