(Anda por aí uma polémica um pouco tonta sobre os riscos
da tentativa de apagamento do ensino presencial devido à intensificação do
ensino à distância na sequência das medidas de confinamento que atingiram as
escolas e a sua população. A controvérsia é tonta
pois foi capturada pelos extremos, os que defendem a irredutibilidade do
emprego associado à componente presencial e os maluquinhos das tecnologias
pedagógicas que nelas se esgotam.)
Entendamo-nos à partida para desfazer quanto antes equívocos. Uma escola à
distância, sobretudo nos ensinos primário, básico e secundário encerra riscos
sérios de agravamento de desigualdades. As desiguais condições de acompanhamento
dos alunos em casa reproduzirão e alargarão desigualdades existentes à partida,
não só em termos de ajuda da família ou mesmo de condições físicas de acesso à
internet. Todos nos lembramos das imagens daqueles jovens que buscavam as
imediações da junta de freguesia de uma localidade interior para ter o sinal
desejado e também da estoica professora que dava as suas aulas on line a
partir da sua caravana para obter também o desejado sinal e comunicar com os seus
alunos. Por conseguinte, não passará pela cabeça dos mais sensíveis prolongar
uma situação desta natureza. Mas convém recordar que essas desigualdades não se
evaporam num ano letivo normal de ensino presencial, por mais esforços que os
abnegados professores possam fazer para as mitigar. Aliás, a escola portuguesa
está longe, muito longe, de estar organizada para recuperar alunos em
dificuldades. Se assim fosse, não se compreenderia o avultado investimento comunitário
feito em Portugal no período de programação 2014-2020 em matéria de combate ao
insucesso escolar. E, já agora, gostaria de sentir os que agora se abespinham
em favor incondicional do ensino presencial mais envolvidos no combate às
desigualdades que minam, emperrando-o, o elevador social que a Escola sempre
representou em Portugal.
Por outro lado, sou dos que penso que o ensino em Portugal, mais o superior
que conheço melhor, mas creio que extensível aos restantes níveis de ensino, é
débil em proporcionar aos alunos melhores condições de preparação para a autoformação
e para a capacitação na resolução de problemas. Que me perdoem os professores
ainda no ativo nas universidades e institutos politécnicos mas estamos perante
modelos de cargas horárias letivas enormes, conteúdos livrescos em demasia e
sobretudo fraco incentivo à organização pessoal da autoformação como veículo
preferencial de utilização dos tempos letivos para discussões de matéria. E,
perante uma relação de cumplicidade só explicada pela defesa do emprego, assiste-se
não raras vezes a uma massa discente que parece mais interessada no tempo das
aulas como via de expiação sabe-se lá de quê do que como tempo útil de
interação com os professores, fazendo jus aos benefícios do ensino presencial.
São também conhecidos os casos mórbidos dos professores que consideram a aula
como exercício exclusivo de disseminação de apontamentos, proporcionando à expiação
atrás referida pelo menos um sentido de utilidade. São traços que se repetem por
anos indefinidos e já não estou a falar das histórias que o meu filho Rui
contava de alguns “lentes” do Instituto Superior de Agronomia que repetiam sem
pestanejar durante vinte ou mais anos as suas folhas de aulas estranhamente não
designadas de sebentas porque nunca editadas.
É neste contexto não muito abonatório das nossas capacidades de reforma que
entendi que o choque temporário das aulas à distância poderia constituir uma
oportunidade de conceção de materiais e práticas letivas mais criativas e
imaginativas para suscitar junto dos alunos mais imaginação e criatividade na
aprendizagem. Como me dizia o meu filho Hugo, por que carga de teimosia hei de
eu dissertar sobre a teoria das capabilities nas empresas e nas
organizações sem colocar os alunos a ouvir o David Teece (pai da abordagem) a
elaborar sobre a sua obra e utilizar depois esse material para discussão numa
aula mais motivadora e participada?
Com exceção dos alguns notáveis professores das nossas Universidades, em
que uma aula constitui um presente dos deuses para gente motivada, a pedagogia
e os modelos de aprendizagem passam a grande velocidade pelos tempos letivos do
ensino superior sem se fazerem notar. O que é um enorme absurdo em tempos em
que nunca dispusemos de tantas ferramentas para estimular os investimentos pessoais
de aprendizagem. Mas obviamente o quadro, de lousa ou de material mais
sofisticado, e a presença irredutível do animador/autor de uma aula não desaparecerão.
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