sexta-feira, 3 de março de 2023

SUSTENTABILIDADE (III)

 


(Para uma correta ponderação da relação local-global nas questões da sustentabilidade ambiental, o ÍPSILON de hoje oferece-nos um artigo de António Guerreiro, um intelectual que aprecio bastante, que toca numa dimensão que me é cara, quando mergulho no tema – a dimensão planetária dos problemas que devemos enfrentar. Sublinhar essa dimensão planetária não significa de todo ignorar o local na relação atrás referida. Em tempos de nacionalismos agressivos e dados os desníveis de desenvolvimento e de esperança existentes hoje no mundo, ignorar a dimensão planetária da sustentabilidade ambiental pode-nos conduzir a saídas pouco recomendáveis.

A crónica de António Guerreiro é, como sempre, direta e contundente. Tem por título “O planeta onde estamos embarcados” e faz eco da severidade da seca por terras de França e Itália.

Escolho o seguinte excerto:

(…) Aquém e além dos Alpes, o desastre é também este: tanto de um ponto de vista político como jornalístico, cada um destes países “nacionaliza” a sua seca como ela se circunscrevesse aos territórios de um Estado. Quando o nosso horizonte nem abrange o vizinho europeu, imagine-se o grau de fechamento aos desastres climáticos transcontinentais. A retração soberanista, nacionalista, securitária e reacionária põe-nos a viver num mundo atrofiado, mesmo quando é mais do que nunca necessário passar à escala planetária. Reside aqui a razão fundamental de uma impotência que salta à vista”.

Invocando referências que entroncam num número especial da revista MULTITUDES, a crónica evolui para terrenos promissores de reflexão:

“ (…) A globalização, cuja história é a da centralidade dos humanos, só pensa na expansão do mercado, nas conquistas financeiras, nas engenharias logísticas. Trata-se de uma visão do mundo, destituída do potencial “de nos abrir o espírito a uma pluralidade de visões do mundo, do globo. Da Terra, de Gaia”, como se diz no editorial da revista citada.

O devir planetário, que nos faz sentir embarcados numa órbita entre milhões de objetos astronómicos, exige, portanto, a superação da noção de globo, de mundo, de Terra, de modo a alcançarmos uma posição mais deslocada – mais descentrada – em relação à interioridade mundial e global (o que aas referências a Gaia, de Bruno Latour e outros já visavam), introduzindo assim uma exterioridade radical no modo como devemos encarar os nossos habitats. Este descentramento múltiplo é, antes de mais, um descentramento em relação às politiquices nacionais”.

E aqui vamos nós para o nó górdio destes problemas de sustentabilidade. Se no local temos modelos de governo e governança que nos podem auxiliar, sobretudo se não ignorarmos a dimensão planetária, no global ou na dimensão mais vasta do planetário, estamos órfãos de governação – as políticas nacionais continuam a ser praticamente o único nível que temos para intervir.

 

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