(Agnóstico, quase ateu, mas capaz de me relacionar com muita gente de formação católica, consciente do papel que a Igreja ainda desempenha na sociedade portuguesa e por respeito a quem nela milita em coerência com os seus valores, é com profunda tristeza e alguma revolta que vejo a Igreja portuguesa, tal qual barata tonta, incapaz de assumir um rumo neste tempo de encruzilhada. A impressão que fica é a da total incapacidade de lidar e gerir os resultados a que a Comissão pela Igreja nomeada para avaliar a extensão dos abusos de menores. Não apenas incapacidade comunicacional, mas incapacidade substancial de superar as inúmeras contradições e sobretudo o conservadorismo retrógrado que anima uma grande maioria dos elementos da Conferência Episcopal Portuguesa, afinal os Bispos que pontificam na hierarquia católica.
A conferência de imprensa do Bispo D. José Ornelas desta semana é, em si e para memória futura, um poderoso documento, protagonizado embora por um dos membros mais salientes da referida Conferência e muito provavelmente do melhor que por lá se senta regularmente, que fica para a história da total ausência de rumo e de convicções num momento tão desafiante para a Igreja portuguesa.
A tibieza de algumas afirmações, as incoerências, também de facto a ausência total de capacidade comunicacional para os tempos de hoje trouxeram-nos uma perspetiva indireta da resistência à renovação, da preferência pelo oculto controlado relativamente à força da evidência e da profunda incomodidade com a responsabilização por processos que reina no bispado nacional.
Tenho para mim, e essa é em meu entender a razão mais profunda para esta completa desorientação face aos factos, a igreja portuguesa cristalizou num ambiente de impunidade, de secretismo protetor da instituição, de hipocrisia acumulada ao longo de muitos anos e, por isso, mostra-se incapaz de se adaptar aos tempos que vivemos e com eles comunicar e dialogar de boa-fé, expondo-se à crítica fundamentada e responsável.
Ao contrário de muitas leituras que sempre viram na Igreja uma organização capaz de pensar para lá da espuma dos dias e da evidência superficial, o que parece evidente é essa perspetiva de ausência total de rumo, de incapacidade de agarrar as coisas pelos nomes e fazer desta encruzilhada uma oportunidade de reganhar a confiança de uma população mais atenta, qualificada e aberta ela própria aos tempos de hoje.
Com esta cultura de desresponsabilização e inação, a Igreja portuguesa tem por estes dias feito mais pelo anticlericalismo do que os seus mais violentos detratores puderam alguma vez fazer por via da comunicação panfletária, da crítica social virulenta ou da literatura mais incisiva.
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