(Bakhmut)
(O esforço que é necessário para acompanhar reflexivamente e com a informação o mais objetiva possível o risco da invasão russa poder transformar-se numa escala bélica mundial, de proporções inimagináveis, é brutal e implica uma atenção permanente pelo que vai sendo publicando por esse mundo fora. Como economista estou particularmente interessado em compreender em que medida a importância do económico vai impondo a sua lei, como por exemplo a possibilidade de, no centro de tanta agressividade, sob os auspícios das Nações Unidas, se ter conseguido renovar, é verdade que por pouco tempo, o acordo entre invasor e invadido para a exportação dos cereais ucranianos. Obviamente que não conheceremos provavelmente nos tempos mais próximos a razão para o relativo êxito desse acordo, talvez haja contrapartidas desconhecidas. O propósito deste post é o de tentar reunir mais alguma informação relevante para alinhar ideias e reflexões, já que do ponto de vista estritamente bélico, salvo alguma alteração disruptiva e imprevista, o conflito tenderá a arrastar-se e, nessa perigosa medida, ficar sujeito a uma maior probabilidade de algum acontecimento-rastilho poder observar-se e com isso assistirmos a uma verdadeira escalada do confronto.)
Do ponto de vista militar, a possibilidade de Bakhmut ser definitivamente tomada pelo invasor russo já se arrasta há tempo, que fico com a sensação de que algo nos escapa na informação a que temos acesso. O facto da operação invasora estar essencialmente concentrada numa força mercenária, o exército Wagner, e as informações que chegam (que podem ser contrainformação) de que o corpo de mercenários se queixa reiteradamente de falta de retaguarda e apoio das forças russas constitui uma das matérias mais intrigantes da informação que nos chega do teatro da frente. A brava resistência ucraniana pode explicar alguma dessa extensão de tempo, mas creio que não explicará tudo e que haverá naquele teatro de guerra tão localizado. A verdade é que não tenho encontrado na imprensa internacional explicação para esta interrogação, salvo descrições terríveis do estado em que se encontra aquele (hoje) fantasma de Cidade.
Na matéria mais económica, o conhecimento que se vai tendo sobre os efeitos reais das sanções, sucessivamente agravadas, é de molde a formar uma opinião relativamente fundamentada de que não será por aí que a invasão russa vai ser travada e invertida a sua marcha.
A Foreign Affairs (1) revista americana que reflete com alguma liberdade sobre a política externa americana, mas que deve ser sempre contextualizada como uma revista com essa origem, vai publicando sucessivas avaliações do instrumento sanções, que nos permitem concluir que os seus efeitos estão longe de corresponder ao que foi inicialmente anunciado. As sanções representaram sempre para a política externa americana a possibilidade de evitar investimentos de deslocamento massivo de tropas e equipamento militar. Rapidamente se compreendeu que uma coisa era poder infligir alguns danos no acesso a recursos financeiros e na política industrial russa, outra coisa bem diferente seria admitir que tais efeitos provocassem alterações decisivas na estratégia do invasor. O que os americanos designam de “economic warfare” é algo que entra na reação global do ocidente, mas que não poderá por si só influenciar decisivamente o curso da invasão. E não podemos ignorar que a Rússia está hoje do outro lado da bipolaridade mundial, colocando-se sob o manto protetor da China e do bloco de países que continua a não reconhecer aos EUA o estatuto de governação do mundo. Tenderia a defender, mas não tenho evidência rigorosa para o demonstrar, que a saída forçada dos talentos russos que se recusam a pactuar com o regime de Putin representarão a prazo um dano mais letal para o desenvolvimento a longo prazo da Rússia do que as sanções ocidentais.
A petroeconomia em que a Rússia se transformou, ao contrário das perdas estimadas de 10% ou mais associadas à sanções, ficou-se por uma queda do PIB em torno dos 2%, que é o melhor indicador de que o impacto estimado das sanções fi manifestamente exagerado. O artigo da Foreign Affairs não hesita em considerar que, embora o aparato inicial, as sanções praticadas não foram o que poderiam ter sido em termos de bens de consumo, deixaram alguns bancos russos ligados ao sistema internacional e não entraram pela via de tentar impedir a ajuda de terceiros à economia russa.
E mesmo se podemos imaginar danos económicos superiores à queda dos 2% de PIB atrás referidos, não podemos também subestimar a maior capacidade dos regimes ditatoriais para gerir e impor a penosidade económica. A revista é esclarecedora: “As sanções são um instrumento valioso de suporte, mas dificilmente poderão ser um marco mágico ou alterar radicalmente as decisões do cálculo da guerra pelo adversário a curto prazo.”
É por isso que interessa compreender o que era a Rússia quando a deriva imperialista de Putin se voltou de novo para a Ucrânia, procurando reescrever a história.
Nesse domínio, Noah Smith (2) publicou recentemente um pequeno artigo que desmonta o argumento ou narrativa da revitalização da economia russa que a autoridade de Putin teria operado. O artigo tem informação diversificada sobre alguns dos resultados conseguidos, embora com a transformação de uma economia industrial ineficiente em petroeconomia, graças à qual acumulou reservas em moeda estrangeira consideráveis e que utilizou em grande medida para o primeiro impacto das sanções.
Mas o gráfico acima com o rendimento percapita russo comparado à paridade de poder de compra com a de alguns países vizinhos e hoje adversários ilustra bem o caráter moderado dessa revitalização. E o que se sabe é que essa petroeconomia deu frutos sobretudo para os percentis mais elevados da economia russa, os famigerados oligarcas.
(1)
(2) https://noahpinion.substack.com/p/putin-is-a-rest-stop-on-the-road?utm_source=post-email-title&publication_id=35345&post_id=111155479&isFreemail=false&utm_medium=email
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