quarta-feira, 15 de março de 2023

PANIC IS OVER … BUT

 

     (A imagem escolhida por Noah Smith para o seu último post sobre esta matéria é particularmente feliz)

(As sequelas da falência do Silicon Valley Bank, SVB, e do Signature Bank, SB, um banco de média dimensão que caiu por arrasto do primeiro, continuam a fornecer vasto e valioso material de reflexão sobre o momento muito particular em que o sistema financeiro americano se encontra. Para lá de uma corrida aos depósitos que exigiu intervenção pronta e musculada das autoridades governamentais, a questão mais relevante é sistémica e prende-se com a complexa transição que atravessa as economias avançadas a ocidente – a passagem de uma era prolongada de inflação controlada e taxas de juro de equilíbrios próximas do zero para uma outra em que a inflação bateu estrondosamente à porta e a política monetária regressou aos tempos incómodos de aumentos da taxa de juro de referência para a controlar. Dois pontos fundamentais emergem do amplo debate de ideias que esta nova fonte de instabilidade do sistema financeiro suscitou. Primeiro, o mito de que o Banco Central se basta a si próprio para controlar situações desta natureza e conseguir suster o contágio. Segundo, a evidência clara de que a política monetária restritiva para controlar a inflação tem limites sérios, de ponderação necessária e que podem determinar a sua suspensão ou, pelo menos, mitigação por vias diversas.

Quando redijo esta crónica, tudo indica que o pânico gerador de um possível contágio na corrida aos depósitos foi totalmente evitado, não pela graça do Divino Espírito Santo, mas porque o governo americano teve uma intervenção rápida e musculada. Todos os depósitos do SVB e do SB foram garantidos, independentemente de estarem seguros (sabemos que no SVB apenas uma minoria o estava), ao mesmo que um novo programa de intervenção foi também criado (Bank Term Funding Program), destinado a emprestar fundos a qualquer banco com necessidades de liquidez para fazer face às suas responsabilidades como recetadores de depósitos. Ou seja, uma intervenção decidida e que, como dizem os livros, terminou com qualquer ideia de corrida aos depósitos. Obviamente, que se abre a discussão se estamos perante um “bail-out” aceitável e também se os adeptos da não regulação que se movimentam no universo dos start-up’s não mereceriam um corretivo de perda de fundos. Mas sabemos como esta gente da não regulação tem esta ideologia até o problema lhe bater à porta e existem evidências de que os “start-uper’s” foram os primeiros a panicar e a precipitar a corrida. Depois, o contágio sistémico é sempre perigoso e o governo americano atuou depressa, não deixando o próprio Joe Biden de anunciar que a administração do SVB fora demitida. A possibilidade da perturbação ficar confinada ao universo do “high-tech” como já aconteceu noutras perturbações era tentadora, mas a administração americana cortou o mal pela raiz. Lá voltaremos ao tema do “risco moral” e do benefício do infrator, mas compreende-se a rapidez e o alcance da intervenção.

Alinhando com alguns analistas prestigiados, o Professor Adam Tooze é particularmente cáustico nesta matéria (1):

O ponto crucial é que um ecossistema de depositantes foi salvo. E os depositantes do SVB não eram verdadeiramente depositantes. Eles são negócios mal geridos e mal aconselhados que por razões obscuras parqueiam gigantescos montantes de liquidez num banco muito vulnerável. Como Matt Klein o sublinha no seu brilhante post no Overshoot, o problema real no SVB era que a sua base de depositantes era de “tão baixa qualidade”, ou seja, com elevada probabilidade de serem geridos através da influência de um pequeno grupo de conselheiros de capital de risco. O que aconteceu não se assemelha muito ao clássico caso de um banco de grande dimensão no qual uma psicologia de massas exerce o seu papel em grande escala, mas antes ao observado num recreio de uma escola cheio de travessuras em que a prática mais cool é relacionar-se com o SVB até que este deixe de o ser. Como Klein afirma, “isto é mais um caso de um banco gerido por idiotas do que “um banco gerido por idiotas”.

Noah Smith (2) tem perspicácia bastante para compreender que a intervenção rápida e musculada da administração americana se explica também por motivos mais vastos e que se devem ao facto da maioria dos bancos estar hoje sujeita a uma vulnerabilidade conhecida – os seus ativos de médio e longo prazo estão em contínua perda de valor com as sistemáticas subidas da taxa de juro de referência impostas pela política monetária restritiva de combate da inflação. Deve referir-se que esta vulnerabilidade se observa mesmo que os títulos de longo prazo investidos sejam seguros e os títulos do Tesouro a 10 anos são o que de mais seguro existe no mercado. Acresce que se trata de títulos com elevada liquidez, já que existirá sempre alguém disposto a comprar os títulos mais seguros do mercado. Mas a subida das taxas de juro gera a descida do valor desses ativos e isso reflete-se obviamente no balanço dos bancos.

E aqui chegamos às implicações sistémicas da política monetária restritiva. Essas implicações sistémicas querem dizer essencialmente que a própria política monetária restritiva instabiliza o próprio sistema bancário. Ou seja, não há terapia monetária sem contraindicações, mas a inflação tem persistido acima do valor de referência de 2% para os Bancos Centrais (cerca de 3 a 3,5 pontos percentuais acima do referente dos 2%). Entre instabilizar o sistema bancário e perder a sua credibilidade como garante da estabilidade dos preços, o FED americano tem optado por correr o primeiro risco. Mas ele existe como ficou mais uma vez demonstrado neste processo. O mito da sua independência vê-se ameaçado. O governo americano interveio não apenas para salvar depositantes, mas também para vir em auxílio do Banco Central e acautelar os danos da sua intervenção no sistema bancário. E obviamente também no seu próprio interesse, pois quem é o Governo que aguenta por muito tempo uma situação de total insegurança e de corrida aos depósitos?

(1) https://adamtooze.substack.com/p/chartbook-201-venture-dominance-the?utm_source=substack&utm_medium=email

(2)  https://noahpinion.substack.com/p/svb-and-the-fed?utm_source=substack&utm_medium=email

 

 

 

Sem comentários:

Enviar um comentário