sexta-feira, 10 de março de 2023

UMA ENTREVISTA DAQUELAS?

 

As conjunturas sucedem-se e com elas as ideias e as definições urgentes e prioritárias. Refiro-me no caso às entrevistas de figuras políticas relevantes no País e que parecem sempre ser, em cada momento conjuntural, as mais determinantes e decisivas, motivo pelo qual opto por não intitular este post “A Entrevista”. Ao que acresce ainda que a personagem Marcelo já nos demonstrou quanto as suas verdades sempre proclamadas como incontroversas são tão relativas e mutáveis como aquelas que um dia Pimenta Machado, então presidente do Vitória Sport Clube, qualificou de potencialmente diferentes consoante nos reportarmos ao dia de hoje ou ao de amanhã.

 

Os comentadores já se dividem entre considerarem que Marcelo, na entrevista que ontem concedeu à RTP e ao “Público”, comentou a atual situação política em todos os planos e de modo excessivo porque impróprio da sua posição e funções de Estado, simplesmente arrasou Costa e o Governo, quis sinalizar um caminho necessário ao PSD ou simplesmente passou uma divertida hora e picos a dizer coisas com individualizado sentido mas tão descosidas entre si quanto frequentemente contraditórias ou contraditáveis. Deixando ainda alguns apontamentos de puro mau gosto como aquele em que se dirigiu a Fernando Medina ou aqueles em que se imiscuiu de forma pouco institucional na gestão dos grandes dossiês governativos da atualidade (professores, Serviço Nacional de Saúde e habitação, essencialmente).


(Henrique Monteiro, http://henricartoon.blogs.sapo.pt)

Duas coisas são certas: a primeira é que Marcelo, a serem levadas a sério as suas palavras, tem mais razão do que falta dela; não obstante, não lhe caberá ultrapassar alguns limites nem principalmente pregar como S. Tomé ― não é, por exemplo, manifesto que se de facto “estamos a olhar para o curto prazo”, em termos de gestão governativa, não o é menos que o Presidente tende a focar-se recorrentemente num ainda mais irritante infra curto prazo? A segunda é que, se Costa levasse Marcelo a sério, a sua resposta natural e justificada seria a de bater com a porta e deixá-lo entregue, sozinho e à sua conta, à procura de uma solução governativa possível e dotada da estabilidade que tanto agita como desejável; o que, a levar à letra o que o Presidente afirmou, está longe de poder acontecer no imediato ― teríamos, assim, um Marcelo definitivamente revelado como o fator de instabilidade em que se vai tornando por força das suas intervenções permanentes, erráticas ou despropositadas.

 

Sendo tudo isto um folclore a que um número cada vez maior de portugueses vai ficando imune, o que não deixa de ser altamente lamentável porque perigosamente alimentador de instabilidade e indefinição estratégica para o País, pode muito bem acontecer que esta entrevista passe à história pela porta pequena e dela não fique, por isso, grande lastro; quer porque Marcelo venha dizer outras coisas amanhã ou depois, quer porque outras quaisquer coisas aconteçam que tornem este tema uma mera espuma do dia. Contudo, a minha perceção (que é mais cheiro do que algo muito sustentado) vai no sentido de que esta entrevista poderá ter marcado uma nova fase da legislatura em curso, fase essa em que tenderá a ser significativa a aceleração dos combates político-partidários e da conflitualidade interinstitucional; tudo culminando algures, não sei é quando, numa legislatura interrompida e na emergência de acrescidas componentes de um País adiado.

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