(A reivindicação de uma melhoria generalizada dos custos de contexto da atividade empresarial e da vida em geral na sociedade portuguesa já foi mais saliente. Sabemos que custos de contexto elevados tendem a rebaixar a produtividade total dos fatores, a que mede a melhoria de combinação de fatores sem necessidade de os aumentar, sejam eles de capital, trabalho, recursos naturais ou outros. Os progressos observados nas condições de criação de empresas, a experiência das Lojas do Cidadão, a digitalização e algumas melhorias registadas em processos de licenciamento mais complexos têm permitido melhorar o contexto global, embora observadores e instituições externas continuem a referir os custos de contexto como calcanhar de Aquiles da economia portuguesa. A isso não serão indiferentes a praticamente inexistente reforma da justiça e a complexidade do direito administrativo em Portugal. Na minha interpretação, a questão dos custos de contexto está a regressar, agora não como grande obstáculo à atividade empresarial, mas essencialmente como fator fortemente limitativo da capacidade de concretização das decisões políticas em matéria de apresentação de resultados. Podemos incluir nesta dimensão a já insuportável questão da execução do PRR, mas o assunto recebeu por estes dias um enorme impulso com a notoriedade mediática do tema da habitação e do conjunto de medidas em discussão pública até ao fim do mês de março propostas pelo governo de António Costa.
Tenho para mim que o recentramento do debate nas questões dos custos de contexto da decisão política se deve também ao facto do Governo se ter posto a jeito, com esta má prática de apresentar medidas e políticas pela rama, sem preparação prévia consistente e evidente, permitindo que o ruído se instale sem delongas e conduzindo ao paradoxo de um governo de maioria absoluta acossado e perdendo o controlo da agenda política que deveria dominar.
A temática da habitação é excelente para demonstrar em que termos uma decisão, medida ou política mal preparada e avaliando mal as condições de partida em que vai ser acionada conduz regra geral a maus resultados e à trágica evidência de que afinal os custos de contexto existem, alargando o irremediável gap entre o tempo do anúncio da medida ou da política e o tempo da demonstração de resultados.
Hoje, a leitura matinal do Público permitiu-me chegar a uma notícia, não de habitação, mas relacionada com o atraso da modernização da desgraçada Linha do Oeste, um dos mais claros exemplos da desqualificação e desvalorização da opção ferroviária em Portugal.
Cito partes da notícia (1):
“A empresa justifica as sucessivas
derrapagens com a dificuldade nas expropriações, a demora nas autorizações para
o abate de árvores protegidas e dificuldade na obtenção de licenças por
entidades externas. A estas situações acresceu o facto de o adjudicatário
inicial ter manifestado incapacidade para concluir a obra, o que levou à cessão
da posição contratual para o adjudicatário do troço Torres – Caldas, com todas
as cargas burocráticas e judiciais daí decorrentes e que contribuíram para a
demora no reinício das obras”, diz a IP. (…) Como em todas as intervenções, o
reinício dos trabalhos não ocorre de imediato na sua máxima força”, explica a
IP. É necessário proceder à preparação dos acessos e partes de obra deixadas
inacabadas pelo anterior adjudicatário tendo em vista a sua segurança,
preparando a entrada das novas equipas de trabalhadores e equipamentos, o que
se vai traduzir num sucessivo aumento do volume de trabalhos no terreno.”
Temos aqui nesta passagem da notícia do Público a introdução a um verdadeiro manual dos custos de contexto em Portugal na sua configuração atual, designadamente com a construção civil no centro das atenções.
Temos aqui de tudo. A complexidade do processo administrativo, a errada perceção de que licenciamento é necessariamente sinónimo de entrave, a ideia de que a preservação da biodiversidade atrapalha e sobretudo o caos em que a indústria da construção civil se encontra. A situação é nebulosa, porque em tudo isto há margens de verdade, há mitos incongruentes, há má-fé e oportunismo, dificultando a avaliação rigorosa do que é efetivamente custo de contexto.
Como seria de prever, na ânsia de retorno ao protagonismo, o inenarrável Isaltino Morais veio a terreiro defender que a desanexação da Reserva Agrícola (e não ficaria seguramente por aí) era a salvação para resolver o problema da habitação. Num país que está a encolher demograficamente com grande intensidade, aumentar o urbanizável (categoria que desapareceu do ordenamento legal português e que terá de ser obedecido nas próximas revisões dos PDM) seria uma verdadeira loucura. O que não quer dizer que não existam problemas locais de acomodar a procura de habitação no quadro do já urbanizado.
Isto é o que alguns iluminados entendem por redução dos custos de contexto.
Mas essa redução de custos de contexto nas políticas de habitação exigirá um outro post.
Nota final:
Por falar em custos de contexto e para contrapor temos hoje na Casa da Música a sensibilidade de Sokolov ao piano, com Purcell e Mozart. Esperemos que nos traga muitos encores.
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