terça-feira, 7 de março de 2023

AS T(R)APALHADAS DA TAP

 


(Depois da digressão sobre o debate da sustentabilidade no Instituto Politécnico de Viseu, cuja robustez de infraestrutura me impressionou vivamente e de cuja sessão alinharei proximamente algumas reflexões, eis-me regressado à sempre intrigante realidade nacional, em que a disponibilidade de matéria deprimente de comentário se sobrepõe a qualquer réstia de esperança na mudança das coisas. Enquanto regressava de Viseu numa noite pluviosa e carregada de nebulosidade a rádio ia fornecendo elementos de informação sobre o tão esperado relatório da Inspeção Geral de Finanças e a decisão política de despachar com justa causa o Chairman da TAP Manuel Beja (o homem existia de facto?) que fez prova de vida quando lhe abriram a porta de saída e a Madame CEO Christine Ourmiéres-Widener, certamente preparada para a litigância nos tribunais sobre a razoabilidade do estatuto de justa causa. Quanto mais se destapa a TAP mais me convenço do caráter tóxico de tudo que por lá se passa ou decide. O Governo que se cuide, pois trata-se de toxicidade que se manifesta a longo prazo e, por isso, estamos ainda longe de lhe sentir o cheiro ou as consequências.

O estranho sapateado do privatiza agora para nacionalizar depois e aspirar por fim a privatizar de novo constitui o mais patético exemplo de inconstância de opções estratégicas, de exploração até à náusea de mitos (o célebre hub de Lisboa) e de degradação da imagem e carreira de políticos promissores. Vista do ponto de vista da sua passagem pela governação da TAP, a impetuosidade política de Pedro Nuno Santos está hoje transformada num rom-rom de gato inofensivo, tamanhas são as incongruências, falsas partidas e palavras vãs que podemos associar à sua tutela política da empresa. E o que não é menos verdade é a outra evidência de que, por mais que Fernando Medina procure escapar entre os pingos da chuva e os danos colaterais do relatório da IGF, a sua fragilização política é por demais evidente. Ou seja, de repente, a TAP trouxe consigo chumbo na asa de dois Ministros relevantes do ponto de vista da sucessão de António Costa, isto na melhor e mais benigna das leituras, já que penso que é mais do que uma simples asa que foi atingida pelos estilhaços da TAP.

Nesta matéria continuo na minha que consiste em rir-me com vontade do mito do hub e identificar como vício irremediável querer gerir uma companhia no mercado do transporte aéreo com as regras prosaicas e cá do burgo de gestor público. Preso por ter cão ou não ter. Ou os salários que o mercado internacional justificaria que se pagassem ao CEO constituiriam sempre uma afronta à mediania do país que entrou forte e feio na salvação da empresa ou impor as regras a um CEO que nem é carne nem peixe do estatuto apertado de gestor público teria algum dia de demonstrar a incoerência da decisão.

Embora deteste o personagem, devo reconhecer a força do argumento que o jovem turco Sebastião Bugalho traçou ontem na CNN quando referia que era de exigir mais competência nas decisões de quem acena com a bandeira do público e da intervenção do Estado para resolver coisas como a TAP que só artificialmente podem ser colocadas na esfera da influência nacional.

Com dois Ministros tocados (um ex e outro em exercício), um colocado em quarentena, o outro fragilizado e preso na gaiola da redução do peso da dívida pública no PIB, o estranho da questão é os salpicos não terem ainda chegado ao Primeiro-Ministro. E, de repente, num passo de mágica ditado pela adversidade das circunstâncias, temos um Governo socialista ansioso como nenhum outro pelo êxito potencial de uma privatização, que continua indeterminada e que, a ser concretizada, o será seguramente em condições de inferioridade negocial. E, se essa privatização falhar, lá entraremos de novo na cadeia infernal de decisões que exigirão outras e assim sucessivamente.

De toda esta poeira, fica a ideia de que a supervisão política das participações públicas é bastante amadora e fortemente dependente dos protagonistas, com essa muito portuguesa distinção entre conhecimento formal (institucional) e informal, ou seja, do tipo sabemos, mas é como se não soubéssemos, pois nunca nos foi institucionalmente transmitido.

Dito de outro modo e ao jeito deste blogue, a distinção entre público e privado não está talhada para terrenos tão movediços. Ou pantanosos, como diria o outro, antes de rumar a outro destino e certamente se confessar.

 

 

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