sábado, 4 de março de 2023

SUSTENTABILIDADE (FIM DA PROCRASTINAÇÃO)

 


(É tempo de terminar por agora as reflexões diversificadas que me conduziram à preparação da minha intervenção no dia 6 de março no Instituto Politécnico de Viseu, com as últimas duas dimensões – a relevância dos modelos de consumo e do local como aproximação consistente à sustentabilidade, não ignorando, como ontem o referi, a dimensão planetária do problema. Depois resta-me pouco tempo para sínteses e estruturação da intervenção, da qual a seu tempo darei devida conta.

Uma das manifestações mais evidentes da “nossa” capacidade de colocar o problema da sustentabilidade e da mudança climática numa zona de exterioridade, num limbo que não tem nada que ver connosco, é a reduzida importância que se atribui à questão dos modelos de consumo e de certo modo do modelo de organização social mais adequados para contribuir para a mitigação do problema. Subtilmente, achamos que isso fica a cargo dos grupos sociais mais alternativos, enquanto pela nossa parte ficamos pelos discursos pios de boas intenções e de compreensão do problema, transferindo para os governos a responsabilidade de atuar e de apresentar resultados.

E se pensarmos bem praticamente todas as alternativas de ataque ao problema da sustentabilidade passam por essa dimensão dos modelos de consumo. Vejamos, por exemplo, a famigerada tese do “decrescimento”, tão em voga em algumas das abordagens mais radicais. Mesmo ignorando a injustiça gigantesca que a abordagem do “decrescimento” representaria do ponto de vista das sociedades menos desenvolvidas que têm justas aspirações de incrementar o seu consumo material, as teses do “decrescimento” tendem a ignorar as enormes dificuldades que essa proposta traria às sociedades democráticas ocidentais. Como conseguir que as sociedades hoje afluentes revertam os seus modelos de procura e de consumo, compatibilizando-os com uma sistemática e continuada queda do crescimento económico para escapar à finitude dos recursos e à necessidade de redução dos níveis de emissões e consequente mitigação do aquecimento global?

Todos nos recordamos das belas ou trágicas (consoante a perspetiva) imagens dos períodos de confinamento em algumas cidades, nas quais a vida animal e vegetal parecia querer ocupar os espaços vazios deixados pelos humanos, em recato profilático absoluto. E todos também rapidamente percebemos que essa não era a saída. A equação é bem mais complexa. Como poderemos manter uma convivialidade que reduza emissões, adaptando maneiras de nos deslocarmos, o modelo de consumo, a nossa relação com a natureza, a biodiversidade e obviamente a finitude de alguns recursos?

Se as teses do decrescimento suscitam a necessidade de ultrapassar o constrangimento dos modelos de consumo, a procura de novos modelos de produção e consumo que não impliquem necessariamente renunciar ao crescimento económico não o exige menos. As sociedades democráticas estão assim condenadas ou a mudar por força das circunstâncias exógenas e irreversíveis ou a evoluir conscientemente para modos de consumo e de vida mais amigáveis do ponto de vista da sustentabilidade e da preservação da biodiversidade.

É neste campo que os problemas da sustentabilidade se cruzam com uma outra característica das sociedades contemporâneas mais avançadas, o incremento da desigualdade, observada inclusivamente nas sociedades em que o Estado Social mais avançou, por mais estranho que isso possa parecer. A produção de emissões de gases com efeito de estufa depende dessa desigualdade, já que essa emissão não é neutra face aos diferentes tipos de consumo que a distribuição do rendimento tende a estimular.

Uma última questão para situar a dimensão do local na resposta aos desafios da sustentabilidade.

Como é que entendo a importância do local na relação com a dimensão mais planetária da sustentabilidade?

A importância da sustentabilidade no desenvolvimento local advém essencialmente da possibilidade de a podermos inscrever numa lógica de proximidade. Ao garantirmos essa integração estamos a permitir que as questões da sustentabilidade sejam percecionadas do ponto de vista do modo real de vida dos indivíduos. Sabemos como a lógica da proximidade é essencial para maturar a matriz identitária das pessoas face aos territórios em que vivem, para assegurar uma adequada valoração dos recursos. O desenvolvimento local representa, assim, uma oportunidade para uma mais rápida ponderação dos desafios da sustentabilidade em matéria de escolhas de hoje para preparar melhores condições às gerações futuras, envolvendo não apenas questões de afetação de recursos para a produção, mas também de modos de produção e de consumo. Sem perder de vista a dimensão planetária, é mais simples e direto a nível local proporcionar condições de sensibilização para a causa da sustentabilidade, perceber consequências das más opções, envolver pessoas concretas em intervenções cívicas que a valorizem (consciência ambiental, perceção de atentados ambientais e de consequência de eventos climáticos extremos, destruição da biodiversidade, intervenção ativa em formas de defesa e preservação de recursos naturais, formação de novos comportamentos coletivos como as comunidades de energia, etc.).

É no desenvolvimento desta relação dialética entre a dimensão local e planetária da sustentabilidade ambiental que considero estar o caminho certo para a sua progressiva internalização numa lógica de desenvolvimento. Que entendo ser uma via mais promissora do que decretar modelos de decrescimento à revelia de qualquer propósito de equidade a nível mundial.

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