sábado, 18 de março de 2023

CONTRA A PRETENSA AUTOSUFICIÊNCIA DA TECNOLOGIA

 


(Já por repetidas vezes, neste blogue e em diversas intervenções públicas, trouxe à reflexão o tema da aparente insuficiência de resultados em termos de crescimento económico e de variação da produtividade que a onda de progresso técnico vivida por estes dias apresenta. Noutras ocasiões, chamei-lhe mistério ou paradoxo da produtividade, para alinhar com alguma investigação disponível nesta área. O tema é fascinante, está muito longe de ser razoavelmente compreendido e justifica, por isso, que não o abandonemos neste blogue. É um tema relevante para as economias mais avançadas, mas por extensão de efeitos disseminados na economia global, interessa também a economias de menor liderança e dimensão como a portuguesa, onde todo o bicho por mais careta que seja clama por mais crescimento, curiosamente não tanto por produtividade mais elevada.

A perspetiva de abordagem que escolho para este post concentra-se no tema da coevolução da tecnologia com outras dimensões, a qual, não acontecendo, penaliza e enfraquece os efeitos da primeira sobre a variação da produtividade. Escolhendo seguir esta abordagem alinho com aqueles que sempre combateram o determinismo e autossuficiência tecnológicos, atentos particularmente ao tipo de mudanças complementares que a tecnologia exige para produzir efeitos. Matérias como a evolução complementar das qualificações, da inovação institucional (no sentido institucionalista do termo que aponta para o conjunto de regras que regulam o comportamento económico) e da dimensão organizacional (das empresas e da sociedade em geral) constituem fatores poderosos para explicar não apenas porque certas tecnologias avançam e se sobrepõem a outras e sobretudo para nos ajudar a compreender porque, em alguns casos, a tecnologia promete mas fica aquém do esperado, pelo menos durante algum tempo, em matéria de crescimento e de variação da produtividade.

Tudo indica que seja algo neste campo de problemas que está a acontecer para explicar a razão das realizações em matéria de automação, robotização, inteligência artificial e revolução digital em geral não ter por agora correspondência em matéria de resultados económicos. E não tanto por retardamento da oferta de qualificações, mas mais por questões de natureza organizacional. Resta saber que questões organizacionais estarão a retardar o impacto económico destas tecnologias.

O tema não suscitou ainda a investigação na magnitude e consistência necessárias, mas podem por agora ser avançadas algumas hipóteses de trabalho.

Tenho para mim que todas estas tecnologias potenciam em grande medida modelos de gestão e organização mais descentralizados do que efetivamente é observado nas empresas de maior complexidade e organização que apresentam graus mais avançados de utilização da revolução digital e da inteligência artificial. O que poderá significar que uma larga percentagem do potencial de crescimento inerente à utilização destas tecnologias está bloqueada e truncada pela inadequação dos modelos organizacionais, fracamente descentralizados e com um poder de decisão distribuído aquém do necessário. Se acrescentarmos a esta inibição a probabilidade lhe estar associado o retardamento da chegada de quadros mais jovens aos postos de gestão e decisão estaremos perante uma trajetória explicativa promissora.

Desta proposta resulta a convicção de que o poder da tecnologia não pode ser sobrestimado, sobretudo se a considerarmos isolada dos modelos de gestão e organização que devem servir os seus avanços. Basta recorrer para isso à história económica mais recente e recordar que o período do crescimento dourado dos anos 50 e 60 foi acompanhado de um salto enorme nos modelos de gestão e organização, constituídos em torno da produção em massa (o chamado fordismo) à qual se juntou ainda uma poderosa norma de consumo. Esta como sabemos foi amadurecida em torno do incremento significativo do consumo das massas operárias e da classe média e tudo isso funcionou em coerência perfeita, da qual fazia parte o poder de barganha social que os sindicatos tinham trazido ao processo.

Comparando com o que se passa no momento de interrogação de hoje, é um facto que a revolução tecnológica se agigantou, mas à qual faltam os complementos necessários dos modelos de gestão e organização (hoje interrogados) e de uma norma de consumo (a desigualdade tudo alterou nessa matéria).

A emergência do trabalho híbrido é muito provavelmente a única alteração de vulto observada nos modelos de organização, mas fica a sensação de que é pouco para o que é necessário e exigido pela profunda revolução tecnológica.

 

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