domingo, 12 de março de 2023

VISIONANDO GUERRA E PAZ

 

Um extraordinário e pouco convencional cineclube particular de que há anos faço parte com um grupo de amigos antigos resolveu dedicar um dia deste fim de semana a ver a adaptação do notável romance de Leo Tolstoy “Guerra e Paz” pelo realizador Sergei Bondarchuk, que também desempenha um papel central na interpretação de um dos protagonistas, no caso a do conde Pierre Bezukhov que ali vive uma história de amor com a jovem condessa Natasha Rostov. Foi uma verdadeira odisseia de mais de sete horas, apenas entrecortadas por intervalos para ingestão de mantimentos e alguns passos ao ar livre largamente facilitados pela divisão do filme em quatro partes distintas.

 

Trata-se de um filme de imagem belíssima e tecnicamente magnífico, designadamente pela forma como nele se detalham meticulosamente e com uma precisão inacreditável para a época (o filme data de meados dos anos 60 do século passado) as cenas de batalha de Austerlitz, primeiro, e de Borodino, depois. A ação desenrola-se num curto período do início do século XIX (1805-1812), entre São Petersburgo e Moscovo, e coloca uma forte tónica na Grande Guerra Patriótica contra a invasão do exército de Napoleão (sublinhando a estranha fuga do imperador para Paris após ter ocupado e parcialmente destruído uma Moscovo que foi dominantemente esvaziada pela fuga de parte importante dos seus habitantes), não sem abordar com mestria as grandes marcas e mudanças da sociedade russa de então, a força e o realismo dos espaços e dos salões em presença e as dramáticas vicissitudes dos (des)amores retratados.

 

Sendo um produto da Guerra Fria, objeto de um investimento colossal por parte do governo de Kruschev (8,2 milhões de rublos, equivalentes hoje a algumas dezenas de milhões de dólares e assim tornando o filme no mais caro da história do cinema soviético) ― que não apenas pretendia valorizar e afirmar a indústria cinematográfica da União Soviética como também responder à medida à coprodução italo-americana (King Vidor) da década anterior, onde pontificara Audrey Hepburn ―, esta superprodução, embora correspondendo fidedignamente à profunda unidade entre todas as classes sociais que Tolstoy nos descreveu,  terá ainda assim como única pecha um final excessivamente apologético da grandeza e invencibilidade russa ― ademais na atual conjuntura mundial...

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