sexta-feira, 17 de março de 2023

FICHEIROS SECRETOS?

Razões muito circunstanciais levaram-me a assistir, ontem na Sala Suggia da Casa da Música, a um espetáculo dificilmente qualificável e que me deixou vários tipos de mixed feelings. Trata-se de um monólogo em digressão pelo País que foi criado pelo jornalista Luís Osório (LO) a partir do seu livro “Ficheiros Secretos”, já em quarta edição e apresentado como respeitando a “histórias nunca contadas da política e da sociedade portuguesas”.

 

Conheço razoavelmente o protagonista, que é um homem competente e talentoso com passagens prestigiadas pelo jornalismo dos jornais e da rádio e pela consultoria e comunicação política, além de autor de vários livros; percebi-lhe ainda presenças recentes na TSF com crónicas sociais imaginativas e frequentemente bem esgalhadas, algumas tendo mesmo provocado impressões fortes em amigos meus habitualmente difíceis de contentar. Mas, e ainda assim, o dito monólogo pareceu-me algo descosido/desconexo na sua tentativa de contar, num ambiente de exagerada encenação e forçada emotividade, as tais “histórias nunca contadas” (nem todas, diga-se) ― LO explicou-se ao JN, nestes termos: “Isto não é teatro, não é stand-up, não é improviso, nem é jornalismo, nem deixa de o ser”; e talvez seja isso mesmo, ou seja, algo de verdadeiramente indefinível e indescritível mas que chega a muita gente (a sala estava esgotada e não terá sido certamente apenas porque estava anunciada a presença, que aconteceu, de Pinto da Costa).

 

LO falou aos seus espectadores de dezenas de pessoas conhecidas e de mais algumas desconhecidas, delas relatando momentos, ditos ou episódios, entre inéditos e curiosos (uns) ou conhecidos e vulgares (outros) mas quase sempre puxando ao sentimento e relevando a dimensão elogiosa ― poetas como Eugénio, Ary e Herberto Helder ou artistas como Siza Vieira, Armanda Passos e Saramago, mas também artistas como Simone de Oliveira e Zé Pedro ou figuras como Frei Bento Domingues e Cunhal, Pacheco Pereira, Arnaldo Matos e Durão Barroso (a velha história do roubo dos móveis da Faculdade de Direito de Lisboa assaltada pelo MRPP), Lucas Pires e o filho Jacinto, Carlos Lopes, Raquel Seruca, Maria Barroso, Marcelo Caetano, Paulo Abrunhosa (o tragicamente desaparecido irmão de Pedro, que foi ao palco cantá-lo) e várias outras marcaram os pequenos relatos de LO, dos quais destaco um que é conhecido (mas duvidoso naqueles termos exatos) e terá juntado três mais um colegas de turma no Liceu Padre António Vieira, a saber, Pedro Santana Lopes, Carmona Rodrigues e Elísio Summavielle enfrentando o colega cromo que seria Francisco Louçã.


No fim, o protagonista ainda tentou dar um sentido ao monólogo, falando de muito do que faz/fez este Portugal que todos amamos ― parece-me, todavia, que os méritos que possam estar associados à ideia não o dispensarão de melhor afinar o conceito se realmente pretender dar aos “ficheiros” um alcance que transcenda uma certa bisbilhotice disfarçada e/ou uma glorificação fácil porque algo vã.


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