sábado, 11 de março de 2023

O SILICON VALLEY JÁ NÃO É O QUE ERA …

 


                                                        (in Noah Smith: link aqui)

(A falência do Silicon Valley Bank na sequência de uma corrida tradicional aos depósitos insuscetível de ser coberta eficazmente pela instituição passou praticamente despercebida em Portugal. A notícia merece, porém, alguma reflexão, não propriamente porque se admita um elevado nível de contágio no sistema financeiro americano, mas essencialmente porque a falência do banco nos permite, isso sim, sistematizar algumas ideias sobre o momento em que a economia mundial se encontra e estar atento ao universo em que o SVB se movimentava – o mundo do high-tech e dos start-up’s. De facto, a falência do SVB só pode ser plenamente compreendida se a situarmos nesse universo de financiamento, o venture capital ou capital de risco. Existindo no sistema financeiro americano a proteção dos depósitos até ao limite de 250.000 dólares e tendo em conta que na generalidade dos bancos americanos cerca de 50% desses depósitos estão protegidos, a impossibilidade de resposta eficaz à corrida simultânea aos depósitos do SVB tem uma explicação que só pode ser encontrada no âmbito do mercado específico em que o banco atuava. E, ao contrário do que seria de esperar, não são grandes sofisticações que explicam o observado.

Como seria de admitir num banco com esta designação, o Silicon Valley Bank (SBV) atuava no universo dos start-up’s numa dupla função: recebia depósitos dos promotores desses start-up’s e prestava serviços a esses promotores, designadamente financiamento específico. Contrariando a evidência de que no banco americano típico 50% dos depósitos está protegido por não exceder os já referidos 250.000 dólares, no SVB a percentagem de depósitos não protegidos, ou seja, acima desse limiar era elevadíssima. Embora o SVB não possa ser considerado um banco pequeno, mais rigorosamente é o 16º banco do sistema financeiro americano, pode perguntar-se qual a razão dos promotores de start-up’s não colocarem os seus depósitos em bancos de maior dimensão e mais seguros, ou seja, com maior capacidade de fazer face a corridas localizadas aos depósitos como esta observada no SVB. A razão última não pode deixar de ser o fornecimento de serviços de financiamento a esses promotores, criando por isso um círculo de dependência – colocam-se depósitos para garantir uma maior probabilidade de êxito nos pedidos de financiamento.

Não sendo ainda possível conhecer a razão de uma corrida simultânea aos depósitos como a que determinou a falência do SVB, não pode ignorar-se que o mercado de start-up’s enfrenta hoje mais dificuldades de financiamento do que tempos atrás, no auge do capital de risco. Silicon Valley já não é o que era, os unicórnios parecem desorientados e sem o fulgor de outros tempos. Além disso, as empresas start-up financiam as suas despesas regulares de efetivos e de custos operacionais com as vendas de parte do seu capital a investidores especializados. No entretanto, constituem depósitos de alguma monta que buscam alguma colocação para poder assegurar esse fluxo de despesas operacionais e de pessoal.

O que parece ter acontecido é que o SVB colocou os capitais depositados em mercados de títulos e empréstimos de taxa fixa, num período de baixas taxas de juro. Como é compreensível, o valor de mercado desses títulos caiu abruptamente com a subida das taxas de juro impostas pelo controlo da inflação iniciada pelo FED, alterando substancialmente o valor do seu próprio balanço e aumentando a sua vulnerabilidade face a possíveis rumores de não solvabilidade. Em simultâneo, com o mercado de capital de risco bastante anémico e restringido, grande parte dos promotores de start-up’s foi obrigado a recorrer aos seus depósitos no SVB para fazer face aos seus gastos operacionais, o que tendeu a agravar as dificuldades de balanço do banco.

O que nos permite concluir que, embora não estando previsto qualquer risco de contágio no sistema e uma vez que os bancos não estão expostos recíproca e generalizadamente, os efeitos não serão uma réplica do registado em 2008. Apesar disso, a falência do SVB indica-nos alguma coisa de relevante: não estamos ainda em condições de saber até que ponto o sistema financeiro está ou não resistente a esta alteração de um quadro de “zero lower bound” para um outro de inflação resistente ao controlo, mas o que é hoje já conhecido é que o mundo do high-tech e dos start-up’s não navega propriamente em mar fácil.

E esta é talvez a dimensão mais preocupante de tudo isto que aconteceu. Há aqui alguma coisa de estranho e contraditório. No auge da glorificação do progresso técnico, com a inteligência artificial, a robotização e a transformação digital a bombarem, já tínhamos compreendido que esse auge está ainda longe de se manifestar em crescimentos visíveis da produtividade. Agora, sabemos também que o mercado de capital de risco não está fluido, antes pelo contrário. E que um banco especializado do sistema, localizado na Meca dos start-up’s, entrou em incumprimento. O que adensa o mistério.

 

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