quinta-feira, 9 de março de 2023

TEREMOS NÓS ESTA CORAGEM?

 


(Há imagens que nos interpelam com uma força que nos incomoda, tamanha é a sua densidade de implicações e de confronto. Esta imagem tem por origem os mais recentes protestos na Geórgia, induzidos por uma legislação que cheirava a “russofilia” por todo o lado e que a maioria da população georgiana rejeitou com veemência, a ponto de tal legislação ter sido aparentemente retirada. A força simbólica deste vídeo/imagem (1) deve-se ao facto da Mulher-Coragem que domina o espaço de manifestação acenar com a bandeira europeia perante as sucessivas vagas dos canhões de água que varrem os manifestantes.

Recorrendo a um conceito que era muito caro ao saudoso e desaparecido Amigo Engenheiro Rui Oliveira, o de margens de transformação possível, recordo inúmeras conversas sobre o que as sociedades de leste, a braços com o jugo soviético, nos ofereceram em matéria de ideias, protagonistas e movimentos de busca da liberdade sob uma forte e impiedosa pressão repressiva. A Hungria, a Polónia, a então Checoslováquia e outras foram um alfobre de reflexão de ação política em contextos de repressão, que muito contribuíram para o desenvolvimento deste conceito de mudança, a transformação possível.

Considero que isso é hoje estendível a países que estão sob a ameaça de se transformarem numa nova Ucrânia, acaso Putin mantenha a onda de tentativa de aniquilação nas suas proximidades da presença europeia. A Geórgia e a Moldávia estão nesse domínio e por isso estas manifestações de repúdio por uma legislação que impunha viciosamente uma escolha que os georgianos rejeitam.

A determinação desta Mulher é de uma coragem sem limites e interpela-nos de forma cruel.

Interpela-nos porque nós Europeus, que vamos perdendo a memória do que custou a construção do modelo social europeu, que demos por adquirida e irreversível a opção da democracia sem pressentir a existência de gente apostada em destrui-la, que somos mais propensos a criticar as insuficiências e contradições do projeto do que fortalecer as suas bases, perdemos há muito a equiparação de coragem a alguém que não hesita em sacrificar a sua segurança a levantar bem alto a bandeira da União que ela identifica obviamente com liberdade e com a possibilidade de aumentar a sua felicidade e qualidade de vida.

Tal como acontecia antes da dissolução da União Soviética, as sociedades do leste europeu continuam a representar uma fonte relevante de ensinamentos para a transformação possível, para a mudança em contextos complexos.

(1) https://twitter.com/hcfigueiredo/status/1633469256342859778?cxt=HBwWhMCz_cron6stAAAA&cn=ZmxleGlibGVfcmVjcw%3D%3D&refsrc=email

 

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