quarta-feira, 29 de março de 2023

AFLORANDO UM TEMA MELINDROSO...

 

(Andrés Rábago García, “El Roto”, http://elpais.com) 

Circular pelas cidades de táxi, como atualmente também recorrendo a outras plataformas de transporte privado individual como a Uber, é reconhecidamente uma fonte interessante de acesso à informação sobre o que por aí vai ocorrendo ou sendo pensado e dito. Já aqui o referi e ilustrei em diversas ocasiões, sendo que ontem em Lisboa o pude novamente confirmar de viva voz.

 

Vale o que vale mas, a partir de uma amostra necessariamente não representativa mas eventualmente a merecer ser tida em conta, percebi claramente quanto é dominante a presença de imigrantes (brasileiros muitos, mas com um crescimento marcante em termos de comunidade indiana) ao volante de plataformas tipo Uber. Gente que se vai governando dessa forma (com um rendimento que rondará os 800 euros e em situações de habitabilidade nem sempre condignas) enquanto espera pela oportunidade de mandar vir o resto da família e explorar outras ambições (tudo lembrança remota dos nossos anos 60 em França...), que o mesmo é dizer pela obtenção do ansiado passaporte. Gente que afirma que se decidiu por Portugal pela maior facilidade em conseguir os documentos de autorização de residência e trabalho, não tanto (antes pelo contrário) pelas condições de vida e remuneração cá ao seu alcance (poor money, afirmam, enquanto se declaram desejosos de aceder a outros níveis de ganho por essa Europa). Gente que explica que ouviu falar do nosso país através de alguém que no seu lhe garantiu resultados de fixação europeia a troco de uns milhares de euros da sua pequena poupança pessoal e de algum contacto eficaz na embaixada ou em consulados. Gente maioritariamente pouco qualificada, alguma dela com incursões pontuais por outros países europeus próximos para obtenção de alguns acréscimos  marginais de rendimento em áreas de construção civil ou agricultura. Gente de bem e com esperança, certamente, mas também gente cujos atributos individuais e culturais nos deveriam exigir uma atenção estrategicamente cuidada embora sempre prioritariamente humanizante.

 

Em suma, retratos de vida delimitados mas reais e, sobretudo, bastante inquietadores quanto ao muito que por incúria e incompetência (para evitar referir conluios e aproveitamentos...) podemos estar a deixar de considerar na matéria, além de bem evidenciadores da centralidade do foco e interesse que nos deveria merecer a aceitação plena e o acolhimento concreto no quadro coletivo nacional de cidadãos como estes, tão ignorados quanto maioritariamente carregados de potencial.

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