sexta-feira, 3 de março de 2023

APENAS MADEIRA DE PINHO

Manuel Pinho disse em tempos que ter aceitado um cargo político “foi um erro enorme”. Algo que hoje é óbvio mas que sempre me soou assim quando o fui encontrando em variadas ocasiões do seu exercício ministerial e anteriores, como por exemplo quando o ouvia no Hotel da Lapa, ainda sob a liderança de Ferro Rodrigues no Partido Socialista, defendendo a contraposição algo atabalhoada de um “choque tecnológico” ao “choque fiscal” proposto pelo PSD.



(cartoon de Henrique Monteiro, http://henricartoon.blogs.sapo.pt)
 

De facto, e apesar das suas boas origens familiares (é sabido, em especial, que Pinho era sobrinho do médico e político espinhense Lito Gomes de Almeida) e das suas inequívocas competências técnicas (doutorado em Economia, responsável no FMI, Diretor-Geral do Tesouro e Presidente da Junta de Crédito Público) e até políticas (no sentido mais modernista do termo), o modo de estar e de atuar de Pinho sempre foi algo desconchavado e exibicionista, ou seja, pouco consentâneo com a imagem que então se assumia como a mais própria de um ministro da República. Quem não se recorda das gafes e graçolas de Pinho naqueles anos gloriosos da sua passagem pelo governo? Da sua ida a Vilamoura para umas braçadas com Michael Phelps às suas assumidas passas num avião oficial, da sua declaração aos empresários chineses no sentido de investirem em Portugal devido à nossa mão-de-obra barata aos sapatos portugueses que disse iria trazer da feira de Milão, da muita papa Maizena que Paulo Rangel ainda teria de comer até chegar aos calcanhares de Basílio ao modo como decretou o fim de uma crise que apenas dava os seus primeiros passos, dos cartazes em que se vangloriava pelo maior crescimento mundial da virgem energia eólica portuguesa aos cornos com que brindou um deputado do PCP em plena sessão parlamentar. Além de outras manias das grandezas pessoais que nunca deixou de evidenciar, como as da casa junto à D. Pedro V ou da incontornável coleção de fotografia, e que continuou reiteradamente a ostentar depois de abandonar funções governativas (as aulas em Columbia e Yale, o apartamento no centro de Nova Iorque detido por uma offshore, a vida fácil e faustosa em Espanha, entre outras).

 

O que nunca imaginei foi que esse mesmo Pinho, algo estranho e disfuncional é certo mas também um personagem simpático e divertido, pudesse vir a ser acusado de receber um chorudo salário mensal do BES durante o seu exercício ministerial, de ter recebido um milhão de euros do saco azul do GES ou de financiamentos e favorecimentos indevidos à EDP. Tudo acabou, pelo menos até ao momento, numa humilhante prisão domiciliária em Braga, depois de várias vicissitudes infelizes (entre um arresto da sua pensão ao dos bens da mulher) mas sempre enfrentadas com indignação e juras de inocência e dos protestos públicos e judiciais do seu amigo e advogado Ricardo Sá Fernandes. E é assim que se chega ao meu ponto de hoje, a saber, o da sua surpreendente confissão de fuga continuada ao fisco, que fez acompanhar de uma igualmente inesperada manifestação de arrependimento. Sendo que o filme ainda terá novos episódios, pesem embora os factos de a Defesa sustentar que a acusação de corrupção está já prescrita e, a ser assim, de apenas o irmos ver em Tribunal por razões de branqueamento de capitais e com José Sócrates como testemunha mais notada.

 

Volto ao início: Manuel Pinho teria seguramente brilhado se se tivesse limitado a servir os Espíritos de uma forma relativamente mais discreta do que enquanto ministro da Economia e da Inovação de Portugal. Quanto ao resto, e vistas as coisas à luz dos dias de hoje, tudo se resume à velha interrogação sobre se alguém pode afinal ser quem não é...


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