domingo, 19 de março de 2023

A GEOGRAFIA E A GUERRA

 


(Este gráfico publicado pelo Financial Times e sagazmente citado por Adam Tooze no seu incontornável Chartbook (1) é fonte de inspiração desta reflexão na manhã de domingo. O gráfico apreende a perceção europeia quanto à guerra na Ucrânia no espaço europeu, sendo implacável no modo como coloca em evidência a divergência de perceções, nesta guerra implacável de luta contra o tempo, que os Ucranianos pretendem acelerar e a Rússia retardar, sobretudo apoiada na desigualdade de forças face à intervenção mitigada dos países da NATO. A presença da geografia, marcada sobretudo pela proximidade ou afastamento territorial do conflito, emerge com clareza deste gráfico, levantando a questão de saber durante quanto tempo a Europa conseguirá gerir as perceções aqui representadas neste estudo de opinião.

As duas perguntas colocadas pelo estudo de opinião são muito claras. Na primeira, avalia-se a concordância com a afirmação de que o conflito deve ser parado o mais rápidamente possível, mesmo que isso signifique a Ucrânia ceder o controlo de partes do seu território ao invasor (Rússia). Na segunda avalia-se a concordância com a afirmação de que a Ucrânia deve recuperar todo o seu território, mesmo que isso implique o prolongamento da guerra e o sacrifício de mais mortes e deslocamentos ucranianos.

No que eu chamei a geografia de proximidade ao conflito, há três países, Polónia, Dinamarca e Estónia, em que a opinião pública é maioritária e determinada na maior e inequívoca concordância com a segunda questão, numa manifestação clara de apoio à defesa da integridade territorial ucraniana, manifestando à Rússia por via indireta a afirmação de que o seu próprio território é inviolável.

Nesta geografia de proximidade, os dados obtidos quanto à Alemanha não deixam de ser surpreendentes e explicam bem o que Habermas (2) (ver o meu post sobre esta matéria) referia quanto ao crescimento progressivo no país de um movimento de opinião favorável ao estabelecimento de negociações com alguma cedência da parte ucraniana. Este parece-me ser o ponto mais relevante que resulta deste estudo de opinião, sugerindo de que modo a evolução da opinião na Alemanha será determinante para a coesão da própria posição da União Europeia. O mesmo pode dizer-se em relação à Roménia, cuja proximidade é manifesta ao conflito, e que alinha sobretudo com a ideia de que a guerra tem de ser terminada o mais rapidamente, mesmo que isso signifique cedências por parte da Ucrânia.

Nos países em que a proximidade relativa é menor, destaca-se a firmeza do Reino Unido, sugerindo que a posição de Sunak, periclitante no plano interno e interventivo na parte externa, beneficia de um largo apoio da opinião pública britânica. Portugal, Espanha e Itália (sobretudo esta última) alinham predominantemente com a ideia de suspensão do conflito com cedências ucranianas, sendo nesta geografia de menor proximidade a França a exceção, com um alinhamento moderado com o direito ucraniano de recuperação total do seu território.

Os números revelam que a geografia de proximidade ao conflito tem influência, embora não sendo determinista, mostrando que mesmo num conflito no interior da Europa as perceções da opinião pública divergem de modo assinalável.

Até aqui a condução política do processo tem conseguido contornar estas divergências latentes, contando essencialmente com a posição alemã que, à custa do abnegado Scholz, lá vai conseguindo com pinças apoiar a Ucrânia e moderar o maior ativismo polaco e báltico. Para isso muito contribui a inequívoca resistência ucraniana que parece dar lições à população europeia em matéria de defesa de valores essenciais como a liberdade e de apreço pelo modelo de vida europeu. Mas numa população que vai esquecendo a amargura da Segunda Guerra Mundial e do que significou a reconstrução, esta divergência de perceções, a perdurar, não deixará de ter implicações políticas. É claro que para a posição da União Europeia muito contribui também o reflexo da posição americana, até aqui extremamente firme na denúncia da inaceitabilidade da invasão. Mas, como sabemos, a posição da sociedade americana está a refletir a passagem para a questão do apoio à Ucrânia da intensa polarização e fratura que os desmandos no Partido Republicano estão a provocar. As próximas eleições presidenciais americanas serão o teste decisivo a essa ameaça.

Mas resistirão a Ucrânia e os Europeus menos convictos até lá?

(1) https://adamtooze.substack.com/p/top-links-178-divisions-over-ukraine?utm_source=substack&utm_medium=email

(2) https://interesseseaccao.blogspot.com/2023/02/o-que-pensa-habermas-de-um-ano-de.html


 

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