quinta-feira, 20 de julho de 2023

OS TIQUES DE MOREIRA E SEUS PARES

 


(Não tenho qualquer problema em reconhecer que participei em duas iniciativas de reflexão realizadas no âmbito da campanha de Rui Moreira ao atual mandato municipal, uma fechada e outra pública nos Jardins de S. Roque e o motivo foi essencialmente o meu agastamento pela tradicional incapacidade do PS Porto em gerar candidaturas consequentes à Cidade. Nem por sombras isso me impede de manter o meu juízo crítico sobre as incidências da atuação da Câmara Municipal, numa lógica, primeiro de utente regular da Cidade e também de residente indireto, pois dois dos meus netos vivem numa área que me fascina, o “distrito” das Belas Artes. Sem nunca ter tido a oportunidade de realizar uma avaliação abrangente deste mandato que decorre, existem, porém, algumas evidências impressivas de tiques de decisão política, do Presidente e de alguns dos seus pares, principalmente Ricardo Valente, que me parecem bater de frente com algumas das características socioeconómicas da Cidade que prezo e que em meu entender devem ser sistematicamente renovadas.)

A reflexão que hoje vos trago é determinada pela intervenção-surpresa, a cargo das autoridades policiais, de encerramento compulsivo das instalações do STOP, esse centro de experimentação do que poderíamos designar de “start-up’s” musicais que fez escola na Cidade e que fazia parte das suas atmosferas de alternatividade.

Os jornais de hoje avançam com a hipótese, a posteriori e depois de consumado o encerramento compulsivo, de utilização das instalações de uma Escola pública abandonada a cerca de 200 metros do STOP para acolher a diversidade de projetos e bandas que utilizava o espaço.

Quero começar recordando que um dos grandes fatores de inimitabilidade e diferenciação do Porto está na capacidade de criação de dinâmicas endógenas de experimentação, não dependentes de subsidiação pública, numa dinâmica que se aguenta apesar do Poder e muitas contra esse Poder, qualquer que ele seja e sobretudo quando assume a tentação de controlar e domesticar as experiências mais insubmissas. Rui Rio, por exemplo, nunca compreendeu esta forma de viver a liberdade da Cidade, tendendo a meter tudo no mesmo saco da sua ideia de que a Cultura do Porto estava povoada de esquerdismos à solta e com profunda dependência dos orçamentos municipais. Pronunciei-me em devido tempo sobre essa forma provinciana e bastante mesquinha de interpretar e conviver com a cultura de base, sem resultados, diga-se, sobretudo porque Rio nunca teve uma oposição consequente por parte do PS e quando a teve, Elisa Ferreira, o comprometimento do partido deixou a desejar e não foi possível fazer vingar essa outra maneira de ver a Cidade.

Esta característica das atmosferas vivenciais e culturais da Cidade explica que em períodos de crise ela resista mais do que por exemplo o panorama cultural de Lisboa, esse sim bastante dependente, apesar do cosmopolitismo, da subsidiação pública.

É neste contexto que considero que a intervenção de encerramento do STOP e das suas atmosferas de experimentação constitui um tique de autoritarismo e de incompreensão do que é esta forma diferente de viver a Cultura. Não faço a mínima ideia das causas que levaram a esta decisão e do que pensa o executivo de Rui Moreira quanto à utilização daquele espaço. O que parece evidente é que se trata de uma prática de mau gosto concretizar o encerramento e depois acenar com a hipótese de deslocalização para uma Escola pública sem utilização.

A pergunta é óbvia: se a ideia era essa por que razão não existiu o propósito de concertar e negociar com os “experimentadores” do STOP uma solução de deslocalização sem perturbar o ecossistema que se aloja naquela zona da Cidade.

Por isso, considero esta investida sobre o STOP como um exemplo claro de tiques de intervenção política em contramão com as atmosferas diferenciadoras da Cidade no que respeita a ativismo e experimentação cultural. Não está em causa se o STOP tal qual está constitui ou não o espaço ideal de acolhimento das iniciativas aí alojadas. O que interessa reconhecer é que acolhia um ecossistema que não deve ser destruído.

E, para minha irritação, o PS continua olimpicamente afastado da preparação com tempo de uma candidatura consequente à Cidade, integrando na sua génese todas estas atmosferas que a tornam inimitável e por favor não me venham dizer que o futebol é o seu espaço de diferenciação.

 

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