(The Economist)
(Nós, ocidentais de boa vontade e sensíveis ao tema climático, temos uma propensão ego (ocidento) cêntrica para pensar a luta ou mitigação das mudanças climáticas apenas em função da transição que o desígnio da descarbonização impõe às nossas economias e aos modelos de consumo nelas predominantes. Mas o tema da mudança climática é essencialmente um problema da economia global, por mais desestruturada ou tensa que ela possa apresentar-se por estes dias. A severidade dos acontecimentos climáticos extremos atinge sobretudo as nações mais pobres e os pobres que nelas habitam, sem que isso signifique ignorar os custos pesados desses acontecimentos extremos entre as populações mais desfavorecidas dos mais desenvolvidos. Lenta, mas progressivamente, a investigação disponível começa, porém, a dar conta da necessidade de alargar o olhar sobre o mundo menos desenvolvido. O que nos traz uma dificuldade adicional para avaliar a capacidade do mundo responder positivamente ao desafio climático. É que as soluções a implementar são indissociáveis do âmbito da governação mundial e, como o sabemos, nesse domínio estamos perante meandros cada vez mais interrogados.)
Os novos elementos de investigação disponíveis, resumidos num briefing do The Economist sobre os chamados migrantes climáticos, apontam sobretudo para que a severidade climática, sobretudo a associada ao aquecimento dos territórios além de limites há bem pouco tempo impensáveis, tenda a provocar significativos movimentos de população, em fuga das condições impossíveis de vida. O que é interessante notar é que se estima que tais migrações aconteçam no interior dos países e não necessariamente cruzando fronteiras e implicando deslocações intra e inter-continentais. Se é verdade que essa constatação tem origem na extrema pobreza de quem foge das condições adversas, não tendo por isso poupanças para se abalançar a uma deslocação para fora do país respetivo, esta estimativa tem sido invocada para justificar algum otimismo (que eu creio ingénuo e sem fundamento) sobre os efeitos de tais migrações. Segundo essa mais do que bondosa interpretação, a severidade climática tenderia a acelerar o processo de urbanização desses países. E numa interpretação que considero excessivamente tautológica, sabemos que a par da urbanização acontecem simultaneamente coisas como melhoria do rendimento médio das famílias, maior proximidade à educação e à saúde, normas sociais mais favoráveis a um estatuto mais progressivo da mulher e potencial descida da taxa de fertilidade por mulher.
Não estou seguramente entusiasmado com estes efeitos indiretos positivos sobre o desenvolvimento. Teóricos da economia do desenvolvimento como Michael Todaro ou Michael Lipton sempre me ensinaram que a probabilidade de uma migração do campo para a cidade se concretizar depende essencialmente das diferenças de rendimento médio que o migrante avalia existirem entre a sua aldeia de origem e a cidade a que se dirige, que é inegavelmente alta, mas que sobre essa diferença ou desvio temos de aplicar a probabilidade de encontrar emprego no destino dessa migração. Embora o direito à aglomeração e à Cidade possa ser entendido como um direito natural, as mega concentrações em que hoje as Cidades dos países mais pobres se transformaram podem reduzir essa probabilidade a valores muito baixos. Embora dependendo de país para país, nem sempre a urbanização é o passaporte desejado para melhores condições de vida e como Todaro e Lipton nos mostravam a solução mais duradoura e menos geradora de falsas ilusões equivalia a intervir nas condições de origem, melhorando aí as condições de vida e de rendimento.
Claro que a severidade dos acontecimentos climáticos extremos pode determinar a ausência completa de condições de regeneração de solos ou das condições de produção agrícola suscetíveis de reter os migrantes no seu local de origem. Acontecimentos extremos podem gerar o desaparecimento puro e simples de aldeias inteiras, precipitando a migração e destruindo qualquer possibilidade de melhoria de condições de rendimento e de vida na origem.
Tudo isto aponta para a impossibilidade de a transição climática obedecer apenas a ditames provenientes dos países mais desenvolvidos. Não por acaso, as orientações estratégicas para a ajuda pública internacional estão sob fogo cruzado entre os que teimam em concebê-la em função dos objetivos de desenvolvimento mais padronizados e os que procuram forçar tais prioridades assumirem a descarbonização desses países. O que sabemos, e essa é a dura realidade, é que os países pobres não possuem os recursos de investimento necessários para reduzir emissões e para concretizar planos mais ambiciosos de adaptação climática. Neste contexto, não faltarão agentes dispostos a impor um padrão de investimento sob condições de ajuda pública internacional. Mas o drama é que, mesmo com financiamento externo generoso, os países assistidos têm de identificar-se com as prioridades de desenvolvimento traçadas pela ajuda pública internacional.
Nota final pessoal:
Na sequência de uma intervenção cirúrgica comum ao escalão grisalho dos 70 estarei de "molho" provavelmente até ao fim de semana, esperando retomar em breve estas atividades.
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