terça-feira, 18 de julho de 2023

A CAMINHO DAS FÉRIAS

 


(Não sei por que estranha razão, ainda com duas semanas de trabalho pela frente, me apeteceu escrever sobre a caminhada para as férias. Talvez porque regressado ao escritório depois de uma intervenção cirúrgica, com múltiplas questões na agenda e na fila de coisas para acabar, com um trânsito cada vez mais caótico pelas bandas da Avenida da Boavista, canal que frequento com assiduidade, tenha antecipado o cansaço merecedor de férias. Mas é sobretudo oportunidade e pretexto para refletir sobre o fim de festa da política antes de ir a banhos e é inquestionável que este fim de festa suscita múltiplas interrogações, preocupações e ansiedades. É esse o tema do post de hoje.)

Comecemos pela intensa agitação eleitoral em Espanha, com um tom genérico de regresso mais do que provável da direita ao poder, e isso tenho de confessar que me irrita profundamente, sobretudo porque o PP que se perfila na frente de praticamente de todas as sondagens reveladas até à data limite materializa um regresso que me inspira toda a série de preocupações civilizacionais.

Dificilmente o líder do PP conseguirá um resultado para governar sozinho (mas convém estar atento que isso pode acontecer num momento último de redirecionamento de forças à direita). Isso quererá dizer inevitavelmente que, para governar e entrar na Moncloa, o PP terá de se amanhar com acordos e negociações a quente com a impetuosidade do VOX. E se a nível nacional for seguida a orientação que se observou em múltiplos ayuntamientos, diputaciones e comunidades autónomas, isso vai significar retrocessos civilizacionais, não apenas de natureza cultural (censura pelos bons costumes) e social (ignorar as minorias), mas sobretudo na área ambiental, domínio em que as convicções do PP são de molde a espantar os mais céticos, sobretudo pela força empresarial que sustenta o partido e que não quer ouvir falar de modernices ambientais.

A irritação que esta viragem às profundidades mais obscuras da direita me provoca é também obviamente explicada pela teimosia de Pedro Sánchez em governar com a ajuda de radicalismos autonomistas e não estou a falar do seu posicionamento em relação à Catalunha. Neste caso, não pode assacar-se ao PSOE qualquer deriva nessa matéria, bem ilustrado pelo facto do PP não conseguir expressão eleitoral e política na Catalunha apesar da “débacle” do CIUDADANOS de Arrimada que já era e que expressa as suas amarguras junto da família pelas bandas de Cádiz. Sempre me pareceu que o PSOE reunia melhores condições para integrar as forças independentistas num processo que não replicasse a péssima experiência do falhado e ilegal referendo. Mas talvez o melhor indicador de que a abordagem de Sánchez ao problema da Catalunha se revelou, não direi acertada, mas a menos má das que estavam disponíveis, é a significativa queda do peso eleitoral do independentismo catalão. Não sem surpresa e embora num golpe de última hora, o PSOE catalão arrebatou a presidência do município de Barcelona. Quem diria!

Mas já no que respeita ao relacionamento com o radicalismo basco do BILDU, todos os elementos disponíveis indicam que essa aproximação valeu ao PSOE uma significativa queda de peso eleitoral, sobretudo porque a referida formação política basca se lembrou, embora recuando depois, de colocar como candidatos em alguns municípios condenados da ETA por assassínio terrorista. Sacrossanta irresponsabilidade.

Por mais que a personalidade de Nuñez Feijoo sugira que o PP pode evoluir internamente para uma base de apoio mais democrática e menos retrógrada em matéria de valores civilizacionais, essa epifania com origem galega não me convence, não pela personalidade em si, mas pela permanência no partido das tendências mais revanchistas e radicais, esperançadas como Ayuso em cavalgar a onda que se levanta por essa Europa fora, seja em França, na Itália, na Holanda, na Áustria e mesmo na Alemanha.

Cá pelo burgo, o PS com o modelo de elaboração do relatório sobre a Comissão de Inquérito à TAP, de responsabilidade da deputada Ana Bernardo, uma sindicalista da UGT que sempre apreciei pela sua participação crítica em muitas iniciativas de política pública de emprego e formação, conseguiu a proeza de hipotecar o facto da Comissão de Inquérito ter decorrido, em meu entender, sem danos de lesa pátria para o Governo. É verdade que, à míngua de melhor tema, a comunicação social em geral tratou os aspetos mais quentes dos factos que envolveram o Ministério das Infraestruturas de maneira a cilindrar o Governo. Mas a inépcia da oposição do PSD acabou por desvalorizar essa assanhada cobertura da comunicação social e, por isso, o relatório da Comissão de Inquérito de Ana Bernardo é uma passadeira vermelha para a oposição retomar antes de férias o tom com que sobretudo as televisões trataram o tema.

E eis que senão quando o Ministério Público decidiu animar pelas piores razões o fim de festa pré-estival. Há muito boa gente que defende que quem manda por aquelas paragens é o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público e não a Procuradora Geral, entregue a uma postura majestática, mas de que não se conhece alguma ideia relevante para melhorar as condições da justiça em Portugal. Pela aragem pressentida no Expresso da Meia Noite na passada sexta-feira, com a intervenção do seu representante Paulo Lona, compreendeu-se rapidamente que o Ministério Público decidiu a abordagem ao caso da denúncia do PSD de modo precipitado para não dizer doloso. E hoje apanhei a preciosidade de que “se fôssemos todos corruptos isso não significaria que não estivéssemos a praticar uma ilegalidade”, o que adensa a preocupação de que o Ministério Público tenha uma agenda inconfessável, cujo visado é o sistema partidário. As hostes do PSD ainda afetas a Rui Rio (isso de pacificação interna é uma treta) aproveitaram para se movimentar, fizeram-se ouvir e Montenegro está de novo numa postura pouco convincente, arrastado pela onda e provavelmente com vontade de replicar as tontas posições da Iniciativa Liberal que não retirou qualquer implicação política do que se passou, enredando-se numa defesa abstrata da justiça, quando o ponto não era esse mas a desproporção de uma intervenção amplamente mediatizada.

Certamente que a sessão do Estado da Nação da próxima sexta-feira irá trazer novos elementos. E cá estaremos para o comentar.

Mas se nos contentássemos com estas pontas, apetece proclamar “tirem-me deste filme” e que venham as férias, porque tenho coisas bem mais importantes para ler e fazer.

 

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