(O tempo está estival “ma non troppo”, estas paragens continuam abençoadas em termos de severidade climática, as meninas da Seleção perderam e creio que bem com os Países Baixos, com um futebol mais maduro e trabalhado, há bastante trabalho profissional para concluir para assumir então confortavelmente as férias, pelo que sinceramente não há grande pachorra para longas e intensas reflexões. Opto, por isso, por um curto registo suscitado por um gráfico, com origem no Financial Times, e que versa um tema que se tornou uma referência regular neste blogue, a mudança climática e a descarbonização. Não sendo um especialista no tema, ele continua a interessar-me do ponto de vista dos modelos de desenvolvimento que se abrem ao país e ao mundo e sobretudo na perspetiva de saber como envolver cidadãos e outros atores responsáveis pelo consumo e investimento em sociedades democráticas, ou seja em sociedades em que os poderes públicos podem simplesmente aspirar a influenciar, incentivar ou penalizar comportamentos de consumo e investimento e não a substituir-se aos mesmos como se um deux-ex-machina” todo poderoso se tratasse.)
Adam Tooze pergunta habilmente se estamos a chegar a um ponto de viragem na evolução da emissão de gases com efeito de estufa, mas o título do gráfico do Financial Times não é esse. O gráfico diz que as emissões globais de gases não começaram ainda a diminuir, tendo eu, por isso, optado pelo título provocatório “Paroles, paroles”. De facto, neste mundo de palavras, argumentos e relatórios tonitruantes sobre o agravamento dos indícios de que caminhamos para a autodestruição que se opõem aos negacionismos mais abjetos, cínicos e despudorados, a verdade é que as emissões globais não começaram ainda a diminuir. E podemos dizer que a estranheza é cada vez mais evidente, pois os indícios, manifestações e consequências da severidade climática estão aí cada vez mais presentes, atingindo proporções nunca antes vistas e que ainda não conseguiram o tal ponto de viragem de que fala Adam Tooze.
E se sempre achei que as políticas de descarbonização não poderão nunca dissociar-se do estado de desigualdade que caracteriza as sociedades mais avançadas e não só, toda a evidência recente sobre as manifestações da severidade climática mostra que elas têm profundas consequências sobre o agravamento dessa desigualdade.
Hoje é cada vez mais claro que em todo o mundo a severidade climática, seja de natureza térmica (as ondas de calor que varrem a Europa), seja em termos de seca profunda ou inundações catastróficas, se projeta com muito maior violência sobre os mais desfavorecidos, seja porque a sua fragilidade infraestrutural é maior, seja porque não dispõem de recursos para as contrariar, por exemplo o acesso a aparelhos de ar condicionado.
Há dias, numa leitura errática do New York Times em edição internacional, que gosto de ler sem pressão de tempo nas esplanadas da praça de Caminha, dei com uma notícia curiosa. A LEXUS para promover um SUV de última edição no célebre Palazzo Bovara no centro de Milão organizou um evento em torno de um tema de lavagem de carros, com a ideia de proporcionar aos amantes da LEXUS um ambiente relaxante e sobretudo de frescura para fazer face à onda de calor que atinge também a cidade. Dizia o jornal que obviamente os trabalhadores responsáveis pela montagem da tenda em que o evento iria decorrer suaram as estopinhas e sem qualquer proteção face à severidade da onda de calor.
Ou seja, se sempre considerei que as políticas de descarbonizarão incorrerão num erro trágico se ignorarem a base de desigualdade donde partimos, hoje é cada vez mais evidente que as diferentes manifestações e incidências da severidade climática extrema tendem a reforçar impiedosamente essa desigualdade.
E, se calhar, temos aqui uma das razões mais profundas para explicar a curva com o Financial Times nos brinda.
Um bom domingo estival para todos numa fresca acolhedora.
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