(A imagem de felicidade que se desprende da varanda da sede do PP na calle Génova em Madrid parece querer antecipar todo um outro ambiente que não é efetivamente aquele que fica a pairar sobre a situação política espanhola depois das eleições de ontem. A vitória do PP de Feijoo está confirmada, mas são ineludíveis alguns factos que fazem com que à vitória nos votos corresponda uma derrota nas expectativas para a direita espanhola. Assim, a indesejável aliança PP-VOX ficou abaixo da maioria absoluta e o PP não conseguiu votação superior ao conjunto do PSOE e SUMAR. O PSOE de Sánchez consegue a proeza de resistir e até aumentar a massa de votação e de número de deputados das últimas eleições gerais e, aspeto menos percebido, é a formação mais votada no País Basco e na Catalunha, o que sugere a sua especial propensão para se afirmar em terrenos tão agitados pelo independentismo. A simples aritmética de uma maioria absoluta do PSOE com o SUMAR de Yolanda Diáz e os regionalistas do País Basco e da Catalunha é possível e reeditaria o tão odiado governo Frankenstein, mas em meu entender não será mais possível, até porque Sánchez ficaria refém dos inconstantes e pouco credíveis Junts per Catalunya de Puigdemont. O que me parece ainda mais paradoxal é que, num contexto de forte ingovernabilidade futura, se falhar, a campanha eleitoral anunciou-o, um acordo PSOE-PP, penso que a governação PSOE com os apoios parlamentares do nacionalismo regionalista ainda é a mais provável e equilibrada. Explico-me: se o PP controlar o Senado e os poderes municipais e autonómicos continuarem a pintar-se dominantemente de azul, embora com algumas sombras do verde do VOX, isso poderá oferecer a um novo governo de Sánchez uma oposição mais forte do que a que teve antes de suspender a legislatura e convocar eleições. Mas o cenário da ingovernabilidade está no horizonte e não desdenharia a hipótese de, após alguma guerrilha parlamentar, abrir-se o espaço de novas eleições. Tudo isto em plena Presidência espanhola da União Europeia. Sui generis …)
A resistência de Pedro Sánchez é uma verdadeira força da natureza e o eleitorado parece ter reconhecido essa evidência. Acossado no seu partido e recriminado pelas suas negociações com os regionalismos independentistas (mas afinal quem é que conseguiu fazer recuar os votos do independentismo catalão?), sistematicamente castigado pelo PP e pelo VOX e por toda uma inteligência que aspiraria a um acordo de regime entre o PSOE e o PP, os malabarismos negociais de Sánchez cansariam qualquer cidadão comum, mas o líder do PSOE ousou mesmo avançar na sua campanha internacional, ao mesmo tempo que enfrentava as confusões internas. O desgaste da guerrilha parlamentar cansaria o vulgar dos mortais, e de guerrilha parlamentar o que se passa no “nosso” Parlamento é uma brincadeira de crianças comparado com o que se passa no interior do Congresso dos Deputados.
Praticamente todos os analistas, com destaque para os que sempre defenderam o acordo de governação entre o PSOE e o PP, não têm dúvidas em assinalar que o eleitorado castigou a ambiguidade de Feijoo face ao VOX e a ausência de critério que presidiu às complexas negociações após a vitória da direita nas municipais e em algumas autonómicas (não as históricas). Feijoo estava habituado a navegar nas águas calmas da Galiza, onde já há largo a oposição regional não pode com um gato pelo rabo, até porque o intratável Abel Caballero está confinado a Vigo e, apesar de se tratar de uma cidade relevante, não assegura na forte atomização urbana galega qualquer posição relevante em termos de oposição regional. Além disso, Feijoo cometeu alguns erros imperdoáveis. Duvidou dos Correios espanhóis (a que já presidiu) e a massa de votantes que conseguiu votar antecipadamente foi notável. Escapuliu-se do debate a três (PSOE, VOX e SUMAR) e isso só acentuou a sua ambiguidade relativamente ao radicalismo de Abascal. Ora, o mar tumultuoso que se adivinha nas cenas dos próximos capítulos, com o PP a perfilar-se para uma investidura como partido vencedor, não é decididamente o mar de Feijoo. Sánchez surfa bem melhor esses mares mais tumultuosos e, estranhamente reforçado por uma derrota que se traduziu em aumento de votos e de deputados, pequeno, mas sempre um aumento, até pode surgir reforçado nessa nova trama de ponto de cruz parlamentar.
E não esqueçamos que, no seguimento de algumas derrotas recentes, o VOX parece ter já virado o cabo da sua afirmação meteórica. A Espanha é tradicionalista, sabemo-lo bem e alguns fantasmas do passado foram recentemente reabertos, com a ETA à cabeça. Mas, para muito eleitorado mais jovem, o retrocesso civilizacional protagonizado pelo tradicionalismo mais retrógrado, designadamente em relação à situação da mulher e ao problema da violência doméstica, é coisa difícil de aceitar. É verdade que 3 milhões de eleitores nunca poderão ser ignorados e daí que essa expressão quantitativa se tenha espraiado por inúmeras situações locais, oportunidade para o revanchismo e pequenos regressos ao passado qui fizeram salivar os que recordam Franco e o continuam a venerar.
O cronista Xosé Barreiro-Rivas de formação religiosa sólida e que se enganou também quanto à viabilidade de uma viragem costuma dizer e com razão que os eleitorados não podem deixar de ser responsabilizados quanto aos resultados das suas decisões nas mesas de voto. É verdade. Mas esses eleitorados não tomam as suas decisões em abstrato e numa linha de absoluta indiferença em relação ao que se vai passando no espaço político. Mas alguém duvidaria que a maioria da Espanha moderna, sobretudo a mais jovem, com uma situação macroeconómica favorável, salvo o crescimento do peso da dívida, ficaria indiferente a tanta ambiguidade face aos que desejam apenas o regresso ao passado, traduzindo-se esse regresso em anacrónicos recuos de civilização e de liberdades?
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