segunda-feira, 10 de julho de 2023

MAS QUE RAIO DE ELITES SÃO ESTAS?

 


(As mais recentes perturbações registadas pelas bandas do Ministério da Defesa, que conduziram a mais uma demissão no Governo de António Costa e colocam de novo o anterior ministro da Defesa João Cravinho numa situação incómoda, prolongam as interrogações sobre as reais condições de recrutamento de homens e mulheres para a governação. E uma de duas hipóteses podem corresponder à debilidade desse recrutamento: ou as elites, pressupostamente de melhor qualidade à medida que a qualificação no país vai melhorando, vão rejeitando cada vez mais a política, estreitando a margem de mobilização ou então estaremos a assistir a uma degenerescência progressiva dessas mesmas elites, cada vez mais embrenhadas no eterno problema de pagar as suas contas ao fim do mês e para fazer face ao seu modelo de vida e consumo. Não estou seguro que a primeira alternativa seja a causa mais provável, até porque se percorrermos outras instituições em regra acolhedoras de elites convocáveis para a governação, tais como a Universidade ou a Administração Pública, encontramos misérias ocultas pela ausência de escrutínio regular e democrático no interior dessas mesmas organizações. Claro que também poderíamos falar das empresas e do setor privado em geral como fonte de mobilização de elementos para a governação, mas nesse âmbito, muito naturalmente, dada a abissal diferença de remunerações, de margem de manobra de intervenção e de escrutínio entre o exercício de funções privadas e públicas, poderemos sempre questionar que interesses e valores poderão justificar a rejeição do melhor pelo pior.)

O caso protagonizado pelo Secretário de Estado da Defesa Marco Capitão Ferreira, com admissão aceite pelo Primeiro-Ministro e pelo Presidente da República, é bem ilustrativo do tipo muito particular de degenerescência e do modelo de desqualificação de elites a que me refiro. No fundo, trata-se de alguém com ligação à Faculdade de Direito de Lisboa, a tal que começou por estudar o fenómeno da fuga do direito público para o direito privado que emergia na administração pública local e central. Analisando o caso pelas notícias que saíram na imprensa nacional, percebemos que estarão alegadamente em causa a troca de favores, pequenos contratos de assessoria e consultoria, numa espécie de círculo de proximidade em torno de empresas públicas que ocultará interesses comuns e a degenerescência no exercício de funções públicas.

E uma vez mais regressa a ideia de que tudo isto reflete o grau zero do recrutamento para o exercício de funções políticas, protagonizado por gente que chega à governação já refém da reciprocidade e participação em redes de favores e demasiado dependente do modo como é capaz de regularizar compromissos assumidos em matéria de padrões de despesas e de condições de consumo e de vida.

Qualquer que seja a verdadeira raiz do que está a acontecer, recrutamentos em fim de linha ou degenerescência moral generalizada das elites assente em interpretações demasiado latas do que é exercer funções públicas, ambas as hipóteses indiciam tempos nefastos para o exercício da política. Quanto mais esta tendência se afirmar, mais intensa e frequente será a tentação antissistema dos extremos. E o que me parece ainda mais grave é que os partidos da governação, PS e PSD, não mexam uma palha para inverter este estado das coisas.

E com a Defesa a aumentar muito provavelmente o seu peso no PIB, na sequência da (re)militarização decorrente da invasão da Ucrânia, toda a atenção será pouca.

 

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