domingo, 16 de julho de 2023

QUANDO A AMBIGUIDADE SE VOLTA CONTRA ELA PRÓPRIA

 


(O que se passou nas sedes do PSD e na casa de Rui Rio no Porto com o Ministério Público e a Polícia Judiciária a utilizarem uma evidente desproporção de meios e de aparato mediático face ao teor de uma denúncia anónima, que certamente partiu de dentro do próprio PSD, é produto de uma ambiguidade legislativa, amplamente explorada para denegrir o sistema político por quem está interessado em atribuir-lhe uma imagem homogénea de não seriedade e de convivência com interesses inconfessáveis. A ambiguidade legislativa que existe no financiamento de assessores parlamentares e de assessores do trabalho político que os partidos têm de realizar para cumprir a sua missão no sistema democrático que lhes está confiada vem de há longo tempo e pode inclusivamente discutir-se se não é inevitável, tendo em conta a contiguidade que existe entre o trabalho paramentar e o trabalho político em geral. Compreende-se que o Ministério Público se guia mais por critérios de legalidade do que de oportunidade, mas Caros Senhores do Ministério Público a lei não se aplica descontextualizadamente. Pode dizer-se que a ambiguidade se virou contra ela própria, mas neste caso, e muitas vezes neste espaço o critiquei, tenho de concordar com Rui Rio e com a sua fora da caixa reação à ação de que foi alvo. Será o Ministério Público capaz de entender, a primeira reação pública de Lucília Gago vai no sentido contrário, que abordagens como a que o PSD foi alvo não beneficiam o cumprimento da lei e só reforçam a ideia perigosa de que os partidos políticos são forças hostis a abater para gáudio dos saudosistas do unanimismo?)

Não vou de modo algum aproveitar este atribulado fim de semana político para louvar ou criticar Rui Rio. Numa atitude de respeito para com uma personalidade política que, além de ter sido meu aluno na Faculdade de Economia do Porto, esteve muitas vezes no contraponto das minhas ideias, sempre considerei Rui Rio como alguém teimoso nas suas convicções, mas sempre contribuindo para o enobrecimento da prática política. A diligência do Ministério Público e da Polícia Judiciária não pode ser entendida apenas como uma resposta a uma denúncia e a materialização de uma investigação orientada para avaliar se existe ou não alguma ilegalidade no modo como as subvenções públicas a um grupo parlamentar foram em determinado período geridas e utilizadas. A confirmação de que as diligências foram realizadas sem a existência de arguidos confirma as minhas piores perspetivas.

Circula por aí uma perigosa deriva de pretender erradicar da democracia o trabalho político partidário, desvalorizando a necessidade de o financiar, designadamente através do pagamento do trabalho técnico que é necessário ao trabalho político. A fórmula mais insidiosa que está instalada é a de tratar tudo por igual, associando à prática partidária os interesses mais inconfessáveis e menos recomendáveis. A crítica e o escrutínio livre e aberto da prática política partidária nunca podem ser confundidos com a desvalorização do seu papel no fortalecimento do sistema democrático. Criticamos e escrutinamos precisamente pelo motivo contrário, o de valorizar o papel dos partidos na defesa da democracia, sobretudo nos tempos que correm em que o crescimento das forças políticas antissistema democrático não hesita em usar os instrumentos da democracia para a minar por dentro.

Por isso, o comportamento desproporcionado do Ministério Público (ou de alguns senhores do Ministério Público?) é preocupante, já que objetivamente o modo como foi mediatizado sem qualquer explicação convincente do aparato serve unicamente as tendências antissistema, as quais dispõem sempre como compagnons de route de algum judicialismo, pretensamente impoluto.

Mas será que a ambiguidade legislativa favorece a defesa dos valores democráticos? Em meu entender, a ambiguidade legislativa tende sempre a favorecer os interesses contrários, como se de um vazio se tratasse e esse vazio fosse preenchido pelos interesses menos recomendáveis. Assim sendo, no início do próximo ano parlamentar a clarificação dessa ambiguidade legislativa deverá em meu entender representar uma das prioridades centrais do trabalho parlamentar. Afinal, as ambiguidades legislativas combatem-se com melhoria da produção legislativa.

 

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