quinta-feira, 13 de julho de 2023

MILAN KUNDERA


Somos definitivamente nós e a nossa circunstância. Reporto-me no caso à morte de Milan Kundera, talvez o escritor que genericamente mais me impressionou e influenciou, especialmente na fase parisiense (inícios dos anos 80 do século passado) e imediatamente seguinte da minha vida.

Natural de Brnö (antiga Checoslováquia), e após alguma natural cumplicidade inicial com o regime de então, Kundera foi rompendo até “preferir a sua liberdade às suas raízes e se exilar em França em 1975, onde acabaria por se naturalizar no tempo de Mitterrand (que também foi o meu), época em que brilhou com frequência nos meios político-culturais de Paris.

 

Comecei a lê-lo nessa altura, talvez sob o impulso de uma chamada de atenção por parte de Bernard Pivot (“Apostrophes”), e li-o bastante compulsivamente: das primeiras obras (A Brincadeira, 1967; O Livro dos Amores Risíveis, 1969; A Vida Não é Aqui, 1973; A Valsa do Adeus, 1976; O Livro do Riso e do Esquecimento, 1978) às subsequentes (A Insustentável Leveza do Ser, 1983; A Arte do Romance, 1986; A Imortalidade, 1990; Os Testamentos Traídos, 1992; A Lentidão, 1995; A Identidade, 1997; A Ignorância, 2000; A Festa da Insignificância, 2014).


Kundera, que tinha 94 anos, será provavelmente o escritor de origem checa mais conhecido no mundo depois de Franz Kafka, tendo como obra de referência “A Insustentável Leveza do Ser” (adaptado para cinema pelo realizador Philip Kaufman, embora com reservas por parte do romancista) mas sendo também autor de magníficos e eruditos ensaios, alguma poesia, contos e textos para teatro.

 

A leitura da edição do “Libération” de hoje trouxe-me a agradável memória da primeira entrevista de Kundera (“A vida não passa de um longo encadeamento de paradoxos”) que li nesse jornal há quarenta e dois anos. Aliás, o dossiê que o “Libé” dedica ao romancista é fabulosamente enriquecedor quanto ao seu percurso e pensamento. Como quando são referidos alguns “diálogos estranhos” havidos ― “É comunista, senhor Kundera? / Não, sou romancista. / É dissidente? / Não, sou romancista. / É de esquerda ou de direita? / Nem uma nem outra, sou romancista.” ― ou uma resposta por ele dada a Philip Roth (“Pensa que a destruição do mundo está para breve? / Tudo depende do que entende por breve.”). Ou, ainda, quando nos fornece contributos decisivos para uma compreensão da realidade da Europa Central como um “Ocidente Sequestrado”, entre outros.


Termino com a escolha de duas citações eloquentes, extraídas do último romance de Kundera. Por um lado: “A insignificância, meu amigo, é a essência da existência. Ela está connosco por todo o lado e sempre. Ela está presente mesmo onde ninguém quer vê-la: nos horrores, nas lutas sanguinárias, nas piores infelicidades.” Por outro lado: “Realizamos desde há longo tempo que já não era possível mudar o mundo, nem remodelá-lo, nem parar a sua infeliz corrida para a frente. Só havia uma única resistência possível: não o levar a sério. Mas constato que as nossas piadas perderam o seu poder.”


(Agustin Sciammarella, http://elpais.com)

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