sexta-feira, 21 de julho de 2023

DA EUROPA DO SUL, COM PREOCUPAÇÃO

 


(Tendo por base a divergência de ritmos de crescimento económico e que fascínio exerce este tão criticado indicador, seja a taxa de crescimento do PIB, seja a do PIB por habitante, a comparação EUA-Europa, por um lado, e a velha querela, hoje exacerbada, em torno do que muitos consideram um crescimento anémico da economia portuguesa, por outro, estão cada vez mais no centro do debate. No confronto EUA-Europa, a questão é velha e muita gente resolve-a de modo pragmático: os EUA são mais ágeis e determinados em matéria de crescimento, mas a Europa tem uma rede de proteção social mais equilibrada e preserva melhor a sua população. No caso português, continuo a pensar que a comparação do crescimento português com algumas estrelas do crescimento europeu ou é descabida porque descontextualizada, caso da Irlanda, como a reflexão que deve fazer-se é a de analisar se o crescimento económico português tem andado substancialmente abaixo do crescimento do produto potencial e, se for caso disso, explicar porquê. Por isso, não estou particularmente satisfeito com o debate público sobre o tema. Não admira, por isso, que na sessão parlamentar do Estado da Nação, António Costa puxe dos galões em matéria de desempenho recente em matéria de crescimento económico no plano comparativo europeu e grande parte da oposição continua naquela linha estranha de que tal crescimento não chega ao bolso dos portugueses. O que me leva a considerar que se calhar o problema não é a taxa de crescimento mas sim o modo como este é distribuído entre os diferentes grupos sociais.)

Estas reflexões introdutórias foram-me sugeridas pela leitura de um gráfico publicado por Noah Smith na crónica regular do seu substack. Esse gráfico tem um título sugestivo: “Tenha em conta o desvio – os Americanos têm ficado mais ricos desde 2008, ao passo que os Europeus estão a ficar mais pobres.” A variável que surge representada no gráfico é a variação dos salários reais à paridade dos poderes de compra e contempla três momentos: o de 2008, foco da Grande Recessão, o de 2019, antes da pandemia e o de 2022, após essa mesma pandemia, ou seja com duas variações desproporcionadas no tempo os 11 anos entre 2008 e 2019 e os três anos até 2022.

Embora a economia portuguesa não tenha merecido a honra de ser contemplada no gráfico da OCDE, a leitura do gráfico permite desmontar o mito das comparações globais EUA-Europa. Como Smith o assinala, a informação recolhida permite concluir que, no topo da escala do desenvolvimento europeu, a Alemanha e a França não casam mal com o desempenho americano (as diferenças observadas na variação salarial serão mais do que compensadas pela melhor proteção social assegurada aos trabalhadores) e o Reino Unido mostra o desconchavo em que a sua economia se transformou depois do governo de Cameron e Osborne terem decidido concretizar uma austeridade fora de tempo (a propósito os jornais ingleses desta semana apresentavam resultados de sondagens em que o descontentamento com o BREXIT atingia já cerca de 60% da população inquirida, o que mostra bem o choque violento com a realidade que os britânicos estão a sentir).

Mas a dimensão mais obscura da comparação emerge quando analisamos os dados da chamada Europa do Sul e o caso português certamente que não contribuiria decisivamente para clarear o confronto.

Sabendo nós que toda a Europa passou pelos mesmos choques, sobretudo os mais recentes, pandemia e guerra na Ucrânia, estes dados sobre as economias do Sul fazem com que paire de novo sobre estas economias uma espécie de anátema, que impede que a sua mão de obra, mesmo a mais qualificada, possa remunerar melhor o trabalho e não chega dizer que é a produtividade. Pelo menos no caso português, apesar da subida generalizada do salário mínimo ter determinado que as variações salariais mais recentes criem a ilusão do contrário, são conhecidos duas grandes limitações: na administração pública, as regras de contratação e de gestão de recursos humanos impedem a diferenciação dos melhores e mais capazes (no caso do SNS esta limitação pode ser a longo prazo fatal para a sua sustentabilidade) e, no setor privado, a massa crítica de empresas que faz a diferença é ainda reduzida e não logra impactar significativamente as médias.


Smith vai ao Our World in Data buscar o gráfico acima sobre o crescimento do rendimento per capita (também à paridade de poder de compra) e o panorama confirma-se. Os dados mostram claramente que existe uma hierarquia europeia, mas no fundo dessa hierarquia a posição de inferioridade das economias do sul é inquestionável.

Por isso, concluo que a comparação EUA-Europa em números globais não tem hoje qualquer interesse e o caso português tem de ser forçosamente inserido no quadro desencorajador da Europa do Sul. Nem por sombras da minha parte a veleidade de esbater as críticas à anemia do crescimento português. O meu ponto é outro: o argumento é débil para estruturar uma crítica política consistente á atuação do primeiro-Ministro. Para mais, a diversidade de modelos políticos de governação nas economias do sul é por demais evidente.

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