domingo, 2 de julho de 2023

ECOS DA INFLAÇÃO EUROPEIA

 


(A semana que passou trouxe-nos em matéria de inflação notícias bem contraditórias. A fazer fé nos últimos dados disponíveis, a inflação dá mostras de recuo na zona euro e algo menos na União Europeia, com valores anualizados registados em maio de 6,1% e 7,1%, respetivamente na zona Euro e na União. Entretanto, entrincheirados no bem bom da Penha Longa, Lagarde e seus pares continuavam a reafirmar a necessidade de continuidade da política monetária restritiva, invocando para tal a sobreresistência da inflação subjacente, ou seja a que é expurgada dos preços da energia e dos produtos alimentares. A decisão dos banqueiros centrais conseguiu algo de prodigioso. Colocou em uníssono políticos à esquerda e à direita sobretudo contra o topete de Lagarde ter pedido aos governos dos Estados-membros que acabassem com os apoios sociais que datam da pandemia e que o recrudescimento dos aumentos de preços obrigou a manter e a diversificar. Mas uma matéria menos discutida é o facto de quando se fala em inflação europeia ou da zona Euro se estar a invocar uma abstração. Na prática, o que temos efetivamente é uma forte heterogeneidade das taxas de inflação por país, o que sugere algo que é muito pouco discutido – uma política desenhada para o conjunto da União parece estar a produzir resultados muito diferenciados, país a país, circunstância que vem adicionar-se aos muitos percalços e constrangimentos que a política monetária europeia tem de enfrentar.)

O gráfico que abre este post é surpreendente na sua diversidade. Espanha, Grécia e Portugal apresentam-se bem nesta diversidade, com valores abaixo da média europeia, com especial relevo para a Espanha, indiciando que o PSOE se apresenta em eleições gerais de 23 de julho com um desempenho surpreendente em matéria de inflação. Os valores apresentados pelo referido gráfico levam-nos imediatamente a formular um juízo que parece indiscutível: os países mais próximos do conflito ucraniano revelam valores da taxa de inflação incomparavelmente mais elevados, o que nos faz pensar que a tese do sobreaquecimento das economias como fator de precipitação da desregulação dos aumentos de preços surge nestes dados fortemente questionada. Muito provavelmente são os fatores de disrupção da oferta, associados á proximidade física ao conflito, que explicam esta fortíssima discrepância, com valores exorbitantes, por ordem decrescente, na Hungria, Polónia, Chéquia, Eslováquia, Letónia, Estónia e Lituânia a sobressair do confronto.

Se a política do BCE já suscitava de per si objeções, estes dados trazem uma outra fonte de questionamento. Aparentemente, o BCE desenha a sua política monetária restritiva para uma abstração que é a taxa de inflação média na zona Euro e na União, mas a distribuição concreta dos valores conhecidos aponta claramente para uma interrogação: está o BCE a considerar a diversidade das realidades nacionais? Tem sentido desenhar uma política em função de uma abstração, quando temos realidades tão diversificadas e consequentemente impactos nas condições de vida material das pessoas tão diversificadas?

A tabela acima analisa esta diversidade agora do ponto de vista dos diferentes agregados, sendo visível a queda abrupta dos preços da energia e a tal resistência da inflação subjacente. Mas tendo em devida conta o relevo deste último agregado de variação de preços, a interrogação persiste: sim, a inflação subjacente está longe de estar controlada, mas o que é que explica a sua diferente intensidade entre os países?

Os visitantes da Penha Longa que me perdoem mas não encontrei respostas convincentes a esta heterogeneidade. E mais do que isso uma outra interrogação: será que na decisão tomada e anunciada em Sintra isso terá tido a devida consideração?

 

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