Recorro às sempre excelentes capas do “Libération” e do “Le Monde” para aqui deixar um apontamento decorrente daquilo que estamos a presenciar por estes dias em França, uma França que está tornada no maior barril de pólvora da Europa pelos sucessivos registos de contestação social violenta que vai conhecendo (nos últimos anos, e antes do que agora se passa na sequência do assassinato pela polícia de um jovem de ascendência argelina, já tínhamos observado os intermináveis e igualmente brutais casos dos “coletes amarelos” e da reforma das reformas e pensões). Os pretextos, mais justos ou mais fortuitos não importa agora ao caso, acabam por parecer realmente secundários face à desproporção de fenómenos de rua que despoletam de modo incontrolável e cada vez mais indiciador de um possível e assustador futuro (o que alguns especialistas da cenarização já referem como hipótese, ainda por ora num limite de afirmação de extremos, e designam por barbárie). A única certeza que emerge de todo este tipo de evolução é a de que as nossas sociedades democráticas tradicionais estão a perder defesas perante esta escalada de tensões (chegará o dia em que verdadeiramente os distúrbios degeneram em tal grau de revolta que nenhum extintor será eficaz?), uma situação que não apenas apresenta crescentes contornos de durabilidade e dimensão estrutural (a pobreza e a guerra nas fronteiras da Europa, para dizer de forma curta e grossa) como se mostra acrescidamente limitada pela reinante indiferença social e política, pelo modo como esta se expressa em termos de ausência de voto ou de afirmação de escolhas populistas e radicais e pelas desesperantes manifestações de incompetência das forças democráticas e de impotência dos responsáveis pela ordem pública. Nada de minimamente descansativo, em síntese.
Mas, perguntarão os mais néscios e otimistas, afinal que tem tudo isto a ver connosco, habitantes de um país de brandos costumes e muita paz (Portugal é atualmente considerado, segundo o índice Global da Paz 2023 do “Institute for Economics and Peace”, o sétimo país mais pacífico do mundo)? Pois, na verdade, tudo ou quase tudo, e não somente porque as cóleras e suas expressões mais gravosas se tendem a transmitir a velocidade estonteante (ademais em tempos digitais e de redes dominantes) mas também porque ainda sou dos que me recordo de quanto a maioria dos nossos analistas e políticos se gabava de que não havia extrema-direita que penetrasse a couraça deste povo tolerante e pacífico e que cá conseguisse entrar ― como logo veio a suceder com a turma do demagogo Ventura e seus inenarráveis seguidores...
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