quarta-feira, 19 de julho de 2023

REFLEXÕES A PARTIR DE UM ESTUDO FINANCIADO PELA EDULOG – FUNDAÇÃO BELMIRO DE AZEVEDO

 


(Lentamente mas com alguma notoriedade, o mecenato da investigação começa a mexer-se, com relevo para a Fundação Francisco Manuel dos Santos, mas que envolve também a Fundação José Neves (Farfetch) e a Fundação Belmiro de Azevedo. Trata-se de uma dinâmica que pode compensar as ciências sociais pela tradicional penalização a que essa área científica é submetida no quadro do financiamento competitivo da investigação. Pelos critérios atuais de determinação do mérito da investigação científica, os níveis de publicação das chamadas ciências da vida e das engenharias remetem compreensivelmente as ciências sociais para uma posição de subalternidade. Sou dos que penso que esta subalternidade não teria de ser tão intensa se as ciências sociais estivessem melhor organizadas para ir à luta na medida das suas forças. Na minha vida profissional tenho encontrado evidência dessa realidade. Recordo-me mais recentemente de ter publicamente e em relatórios públicos chamado a atenção para a inexplicável ausência das ciências sociais no tema da economia circular e das mudanças de modelos de consumo para sustentabilidade, quando nessa transformação estão em causa resistências de sociedade e comportamentos de rejeição da mudança que deveriam ser estudados e só o universo das ciências sociais o pode fazer com rigor científico. Neste contexto, a ação do mecenato é louvável, desde que os investigadores que participam nesses estudos financiados pelas Fundações atrás referidas sejam capazes de transformar os resultados obtidos em material passível de publicação científica em revistas de notoriedade científica indiscutível.)

A reflexão de hoje foi essencialmente determinada pela publicação de um estudo financiado pela EDULOG – Fundação Belmiro de Azevedo, de autoria de uma equipa de investigadores da Nova School of Business and Economics, coordenado por Luís Catela Nunes, mas em que participa gente relevante como Pedro Carneiro, para mencionar apenas quem conheço melhor.

O estudo designa-se “Da desigualdade social à desigualdade escolar nos Municípios de Portugal” e, como o título o ilustra com clareza procura reunir evidência de que a inserção territorial de quem frequenta a Escola tem influência nos resultados atingidos. Dessa perspetiva, o estudo não traz uma novidade substancial, vindo apenas confirmar as razões pelas quais o combate ao insucesso educativo apresenta bons resultados quando é concretizado em escalas de proximidade às bolsas de mau aproveitamento. O significativo recuo observado nas taxas de abandono e insucesso escolar, num caso de política pública que superou largamente as metas a que estava vinculado, deve-se como é óbvio à meritória ação de Escolas e Professores (estes em contexto difícil), mas pode ser também explicado pelos efeitos positivos destas políticas públicas que se aplicam em contextos de proximidade às Escolas e aos alunos e abordando integradamente o tema do abandono e do insucesso educativo.

Mas o estudo financiado pela EDULOG tem inúmeros campos de novidade, sendo o mais relevante aquele que aprofunda os determinantes dos resultados menos conseguidos. Um dos focos do estudo concretiza-se no “desempenho escolar dos alunos menos favorecidos, em particular dos alunos com um estatuto socioeconómico situado percentil 25 da distribuição nacional. Este percentil 25 corresponde a alunos cujos pais têm apenas o 2.º ciclo do ensino básico e não estejam desempregados, e que sejam beneficiários do escalão B da Ação Social Escolar”.

Este olhar sobre o desfavorecimento confirma aspetos relevante da diversidade dos modelos de desenvolvimento territorial do país, numa lógica de diversidade de situações, estatutos e condições para os quais a política pública está frequentemente dissociada ou, pelo menos, não suficientemente territorializada.

Quando lia o estudo da equipa da Nova School of Business and Economics e mergulhava na diversidade territorial nele tão visível, não pude deixar de confrontar a valia de um estudo desta natureza para compreender a diversidade territorial em Portugal com a insípida ação de uma associação como o Círculo de Estudos do Centralismo, dirigido pelo ex-Reitor da Universidade do Porto e atual Reitor da Universidade Portucalense Sebastião Feyo Azevedo, de que sou associado em má hora porque alguém que prezo me convenceu a tal. Esta Associação com epicentro em Miranda do Douro tem-se entretido na sua atividade a divulgar trabalhos dos seus associados, numa espécie de feira de vaidades que pouco tem que ver com a crítica do centralismo e defesa da descentralização. Se a Associação não mudar de vida, acho que deixarei de pagar quotas.

Uma das conclusões do estudo que suscitou mais interesse junto da comunicação social pode resumir-se no seguinte: “Os municípios em que os alunos de estatuto SE baixo conseguem atingir melhores resultados situam-se maioritariamente no Norte e Centro do país. Já nos municípios na área Metropolitana de Lisboa e a sul do Tejo, o desempenho dos alunos de estatuto de estatuto SE desfavorecido tende a ser mais baixo”. Tenho sempre procurado nas minhas análises territoriais ser prudente e cauteloso com divisões tão globais como a que é referida neste estudo. A clivagem Norte-Sul tem de ser entendida com cautela, até porque os cientistas territoriais de quem sou mais próximo, com o Professor João Ferrão à cabeça, favorecem mais um modelo interpretativo de mosaico do que propriamente o que exacerba as clivagens globais. Mas os resultados do estudo dão que pensar, sobretudo quando conclui que “de um modo geral, municípios em que os alunos com estatuto SE baixo têm melhores resultados são também aqueles em que a diferença entre alunos de estatuto SE alto e baixo é menor”. Os autores do estudo optam por sabiamente não confundirem a existência de correlação com relações robustas de causalidade, mas a densidade populacional e a densidade económica (grau de industrialização, por exemplo) aparecem substancialmente associadas às diferenças assinaladas de desempenho escolar, seja para os alunos de SE baixo, seja para os de SE mais elevado. Nesse sentido, recorrem ao que a investigação teórica nos tem proporcionado, referindo duas abordagens possíveis. 

"Da desigualdade social à desigualdade escolar nos Municípios em Portugal)
 

Uma explicação possível é a que o tão criticado conceito de capital humano nos sugere, sobretudo quando é entendido na perspetiva intergeracional de acumulação no seio de várias gerações de uma família. Nesse sentido, aproxima-se dos contributos do recentemente desaparecido Robert Lucas Jr. Os níveis mais altos de capital humano andam associados a menor desigualdade e nesse contexto a propensão das famílias para investir na educação dos filhos pode conduzir a um contexto territorial mais favorável em termos de desempenho escolar.

A outra explicação possível é a maior densidade de oportunidades económicas e de emprego existentes nos municípios mais pujantes poder estimular um melhor desempenho escolar, tendo em vista a maior probabilidade de nesse contexto da qualificação valer um emprego e não a exclusão.

Estes resultados exigem naturalmente continuidade e aprofundamento de análises, em vários ângulos e perspetivas. Uma comparação mais fina entre Norte e Centro justificar-se-ia. Por outro lado, seria interessante analisar temporalmente o que se passou em algumas zonas industrializadas do Norte em que a pujança económica esteve durante largo tempo associada a uma desqualificação evidente, nos tempos da família alargada, na qual o terceiro e o quarto filho abandonavam mais precocemente a Escola quando os irmãos mais velhos estavam já empregados ma mesma fábrica ou em fábricas vizinhas. Como é que se operou a transição?

Recentemente, quando discutia com alguém próximo o modelo do mosaico e emitia um juízo crítico sobre o exacerbamento de clivagens globais como a Norte-Sul no país, foi-me perguntado se reconhecia alguma razão plausível para haver diferenças tão elevadas de desempenho entre, por exemplo, o Hospital de Santa Maria em Lisboa e o Hospital S. João no Porto, confrontando ineficiências e perturbações com qualidade de gestão e de outros desempenhos.

Confesso que fiquei algo embatucado.

QUE LAS HAY LAS HAY!

 

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