segunda-feira, 13 de janeiro de 2020

A CAPACIDADE INSTITUCIONAL DE OUVIR



(Não é frequente neste blogue dissertar sobre as minhas experiências de natureza profissional, com exceção de quando as invoco como evidência ou ao serviço de algum esforço de conceptualização. Mas há processos participativos que justificam por si só uma referência, mantendo como é óbvio a confidencialidade de quem produz testemunhos concretos)

Tenho para mim que os processos de planeamento implicam uma triangulação que se pretende virtuosa entre pensar (conceber), propor (referenciais e enquadramentos estratégicos) e ouvir. A triangulação é tanto mais virtuosa quanto menos ela é sequencial e linear. Ou seja, saber ouvir deve ter implicações no pensar e propor, como uma condição de suporte ao fazer (concretizar, executar).

Claro que a agora invocada capacidade de ouvir assume não só uma dimensão individual e pessoal (julgo-me um bom ouvinte, tenho aprendido muito com atores regionais que não têm necessariamente de ter poder de reflexão ou de formalização), mas também e sobretudo uma dimensão organizacional, sabendo introduzir o ouvir na organização do próprio processo de planeamento.

Vem tudo isto a propósito da sessão que a CCDR Centro promoveu hoje em Coimbra, no Auditório (um grande auditório) da Faculdade de Ciências e Tecnologias da Universidade de Coimbra (ao pólo II), para iniciar o processo participativo de preparação da estratégia regional que deverá enquadrar a programação 2021-2027. Não é o facto de ter alguma participação nesse processo que move este comentário, mas antes a forte recetividade à participação que a região evidencia, com cerca de 250 inscritos na sessão e uma quinzena de intervenções dos participantes, intervenções diversas, mais ou menos robustas, mas que mostram existir um lastro regional com significado.

Quer isto significar que a capacidade institucional de ouvir traz retorno de confiança e nos tempos que correm, tão desacreditado está o planeamento pela debilidade do quadro político que o suporta, assistir a uma sessão desta natureza vem-me dizer que não está tudo perdido, que há matéria para não esmorecer.

Entre algumas das intervenções que ilustram a valia e o retorno da participação destaco alguns temas sobre os quais é provável que regressem também eles a este espaço de reflexão.

Um tema crucial que foi colocado foi o da imperiosa necessidade de saber se os territórios da baixa densidade irão ou ser objeto de uma programação específica em termos de conjugação de instrumentos de política e de investimentos ou se, pelo contrário, a programação continuará a não sair da retórica política. Se é verdade que o declínio demográfico se constitui em emergência nacional, tamanha é a disseminação espacial de crescimentos naturais negativos, não é menos verdade que a sua combinação com as peculiares condições de povoamento (ou de não povoamento) da baixa densidade (não necessariamente da interioridade longínqua) exige algo mais do que a simples retórica política das boas intenções, unidades de missão sem orçamento e coisas do tipo.

Uma segunda questão esteve relacionada com o facto da apresentação a debate realizada pela equipa da CCDR Centro ter insistido nas vulnerabilidades e fragilidades dos territórios interiores e sobre a consequente necessidade de as minimizar e de reforçar a resiliência local como condição necessária de qualquer política mais ambiciosa de atração de pessoas e investimento a esses territórios. Várias vozes se ergueram sobre a necessidade de não limitar esse diagnóstico de vulnerabilidades e fragilidades aos territórios interiores. Embora de natureza distinta, o que os atores regionais que intervieram quiseram sublinhar é que mesmo o território mais desenvolvido da região enfrenta as vulnerabilidades associadas a outra família de riscos que não os protagonizados apenas pelos fogos florestais em meio rural despovoado. É um bom ponto de partida para equacionar uma estratégia regional de resposta às novas severidades impostas pela emergência climática.

Ao mesmo tempo que os jornais de hoje anunciavam uma reunião política ao mais alto nível de autarcas da região de Coimbra sobre a questão do aeroporto para a região Centro, na sessão de hoje ouvi pela primeira vez publicamente alguém na região clamar pela aposta numa ligação ferroviária de qualidade na escala da 1 hora e meia entre Lisboa e o Porto como uma necessidade fundamental da região Centro. De facto, a centralidade de Coimbra nessa ligação é promissora e potenciadora de uma proximidade às infraestruturas de internacionalização metropolitanas a sul e a norte que pode entender-se como favorável ao sistema urbano policêntrico da região. Algo de mais inteligente do que a mimetização dos modelos metropolitanos de Lisboa e Porto, já de si diferentes. Claro está que, ao mesmo nível de prioridade relativa, uma boa ligação ferroviária da região a Espanha e posterior conexão europeia constituiria um forte impulso à internacionalização. Finalmente, os temas ferroviários parecem regressar à agenda e isso é um primeiro passo.

Um último tópico que surgiu em várias intervenções aponta para as insuficiências das políticas de inovação e do sistema financeiro mais diretamente conexionado com a inovação em apoiarem as fases mais avançadas de aproximação ao mercado de projetos de inovação. É uma ideia que vejo partilhada em muitas regiões, com a experiência de quem tem as mãos na massa e apoia projetos de inovação, por conseguinte uma experiência que vale a pena ouvir e cuja satisfação equivalerá a retorno de eficácia.

Como reflexão final e não discutida na sessão de hoje, não pode ignorar-se que a partir de agora irão evoluir dois processos, ambos relativamente indeterminados, mas cujas relações são bem mais relevantes do que a generalidade dos atores intervenientes admite. Os processos em causa são a afirmação da estratégia regional Centro no contexto da programação nacional para 2021-2027 e a afirmação da estratégia nacional no contexto da negociação e apostas da Comissão Europeia. Não esqueçamos que Portugal discute e negoceia a inserção da estratégia nacional numa agenda europeia que, queiramos quer não, tende a refletir as prioridades e ambições do seu eixo mais desenvolvido. Por isso, entendo que os dois processos não têm qualquer vantagem de evoluírem de modo estanque e segmentado. Ou seja, quanto mais as estratégias regionais como a do Centro forem levadas a sério mais consistente poderá ser a negociação nacional. Há gente que não entende assim e faz mal.

Para além disso, uma boa coexistência entre estes processos é incompatível com um modelo de “one size fits all”. Na sessão de hoje percebeu-se que a região Centro e certamente que o Norte também, está madura para uma programação mais direcionada ao que a região entende corresponder às suas necessidades e não a um fato imposto, homogéneo e rígido. Uma vez terá de ser. Não sei se será desta, mas o capital de responsabilidade de participação regional assim o exigiria.

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