(Não
é frequente neste blogue dissertar sobre as minhas experiências de natureza
profissional, com exceção de quando as invoco como evidência ou ao serviço de
algum esforço de conceptualização. Mas há processos
participativos que justificam por si só uma referência, mantendo como é óbvio a
confidencialidade de quem produz testemunhos concretos)
Tenho para mim que os processos de planeamento implicam
uma triangulação que se pretende virtuosa entre pensar (conceber), propor
(referenciais e enquadramentos estratégicos) e ouvir. A triangulação é tanto
mais virtuosa quanto menos ela é sequencial e linear. Ou seja, saber ouvir deve
ter implicações no pensar e propor, como uma condição de suporte ao fazer
(concretizar, executar).
Claro que a agora invocada capacidade de ouvir assume não
só uma dimensão individual e pessoal (julgo-me um bom ouvinte, tenho aprendido
muito com atores regionais que não têm necessariamente de ter poder de reflexão
ou de formalização), mas também e sobretudo uma dimensão organizacional,
sabendo introduzir o ouvir na organização do próprio processo de planeamento.
Vem tudo isto a propósito da sessão que a CCDR Centro
promoveu hoje em Coimbra, no Auditório (um grande auditório) da Faculdade de
Ciências e Tecnologias da Universidade de Coimbra (ao pólo II), para iniciar o
processo participativo de preparação da estratégia regional que deverá
enquadrar a programação 2021-2027. Não é o facto de ter alguma participação nesse
processo que move este comentário, mas antes a forte recetividade à participação
que a região evidencia, com cerca de 250 inscritos na sessão e uma quinzena de
intervenções dos participantes, intervenções diversas, mais ou menos robustas,
mas que mostram existir um lastro regional com significado.
Quer isto significar que a capacidade institucional de
ouvir traz retorno de confiança e nos tempos que correm, tão desacreditado está
o planeamento pela debilidade do quadro político que o suporta, assistir a uma
sessão desta natureza vem-me dizer que não está tudo perdido, que há matéria
para não esmorecer.
Entre algumas das intervenções que ilustram a valia e o
retorno da participação destaco alguns temas sobre os quais é provável que
regressem também eles a este espaço de reflexão.
Um tema crucial que foi colocado foi o da imperiosa
necessidade de saber se os territórios da baixa densidade irão ou ser objeto de
uma programação específica em termos de conjugação de instrumentos de política
e de investimentos ou se, pelo contrário, a programação continuará a não sair
da retórica política. Se é verdade que o declínio demográfico se constitui em
emergência nacional, tamanha é a disseminação espacial de crescimentos naturais
negativos, não é menos verdade que a sua combinação com as peculiares condições
de povoamento (ou de não povoamento) da baixa densidade (não necessariamente da
interioridade longínqua) exige algo mais do que a simples retórica política das
boas intenções, unidades de missão sem orçamento e coisas do tipo.
Uma segunda questão esteve relacionada com o facto da
apresentação a debate realizada pela equipa da CCDR Centro ter insistido nas
vulnerabilidades e fragilidades dos territórios interiores e sobre a
consequente necessidade de as minimizar e de reforçar a resiliência local como
condição necessária de qualquer política mais ambiciosa de atração de pessoas e
investimento a esses territórios. Várias vozes se ergueram sobre a necessidade
de não limitar esse diagnóstico de vulnerabilidades e fragilidades aos
territórios interiores. Embora de natureza distinta, o que os atores regionais
que intervieram quiseram sublinhar é que mesmo o território mais desenvolvido
da região enfrenta as vulnerabilidades associadas a outra família de riscos que
não os protagonizados apenas pelos fogos florestais em meio rural despovoado. É
um bom ponto de partida para equacionar uma estratégia regional de resposta às
novas severidades impostas pela emergência climática.
Ao mesmo tempo que os jornais de hoje anunciavam uma
reunião política ao mais alto nível de autarcas da região de Coimbra sobre a
questão do aeroporto para a região Centro, na sessão de hoje ouvi pela primeira
vez publicamente alguém na região clamar pela aposta numa ligação ferroviária
de qualidade na escala da 1 hora e meia entre Lisboa e o Porto como uma
necessidade fundamental da região Centro. De facto, a centralidade de Coimbra
nessa ligação é promissora e potenciadora de uma proximidade às infraestruturas
de internacionalização metropolitanas a sul e a norte que pode entender-se como
favorável ao sistema urbano policêntrico da região. Algo de mais inteligente do
que a mimetização dos modelos metropolitanos de Lisboa e Porto, já de si diferentes.
Claro está que, ao mesmo nível de prioridade relativa, uma boa ligação
ferroviária da região a Espanha e posterior conexão europeia constituiria um
forte impulso à internacionalização. Finalmente, os temas ferroviários parecem
regressar à agenda e isso é um primeiro passo.
Um último tópico que surgiu em várias intervenções aponta
para as insuficiências das políticas de inovação e do sistema financeiro mais
diretamente conexionado com a inovação em apoiarem as fases mais avançadas de
aproximação ao mercado de projetos de inovação. É uma ideia que vejo partilhada
em muitas regiões, com a experiência de quem tem as mãos na massa e apoia
projetos de inovação, por conseguinte uma experiência que vale a pena ouvir e cuja
satisfação equivalerá a retorno de eficácia.
Como reflexão final e não discutida na sessão de hoje,
não pode ignorar-se que a partir de agora irão evoluir dois processos, ambos
relativamente indeterminados, mas cujas relações são bem mais relevantes do que
a generalidade dos atores intervenientes admite. Os processos em causa são a
afirmação da estratégia regional Centro no contexto da programação nacional
para 2021-2027 e a afirmação da estratégia nacional no contexto da negociação e
apostas da Comissão Europeia. Não esqueçamos que Portugal discute e negoceia a
inserção da estratégia nacional numa agenda europeia que, queiramos quer não,
tende a refletir as prioridades e ambições do seu eixo mais desenvolvido. Por
isso, entendo que os dois processos não têm qualquer vantagem de evoluírem de
modo estanque e segmentado. Ou seja, quanto mais as estratégias regionais como
a do Centro forem levadas a sério mais consistente poderá ser a negociação
nacional. Há gente que não entende assim e faz mal.
Para além disso, uma boa coexistência entre estes
processos é incompatível com um modelo de “one size fits all”. Na
sessão de hoje percebeu-se que a região Centro e certamente que o Norte também,
está madura para uma programação mais direcionada ao que a região entende
corresponder às suas necessidades e não a um fato imposto, homogéneo e rígido.
Uma vez terá de ser. Não sei se será desta, mas o capital de responsabilidade
de participação regional assim o exigiria.
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