(Inicialmente
pressionada pelo pós-crise 2007-2008, a ciência económica dita de mainstream,
ou seja, que domina a produção científica nesta área, não tem parado de estar
submetida a uma forte e diversificada pressão de mudança. A necessidade de padrões de crescimento mais inclusivo, o retorno ao
reconhecimento da desigualdade como tema intrínseco do capitalismo, a plena
integração da questão ambiental e da emergência climática são domínios
ponderosos para que nada fique na mesma e outros poderiam ser aqui invocados.
Será assim?)
Adoraria poder neste momento iniciar uma carreira de
investigação em economia. O ambiente intelectual é estimulante para mentes
abertas e ao fim de largo tempo do mais puro autismo da economia de mainstream
começam, finalmente, a tomar forma movimentos com diferentes origens para
reaproximar a disciplina económica dos temas e discussões que urge travar para
melhor a eficácia do seu poder de transformação das coisas. E sobretudo fazer
de novo ouvir as orientações e ideias do novo pensamento. As dificuldades
aguçam o engenho e demovem as inércias mais rígidas.
As pressões para a mudança abundam e não param de crescer
em intensidade e também em diversidade. O estado das economias avançadas após a
crise de 2007-2008 (a Grande Recessão) causou os primeiros estragos no
imobilismo. Não só a política monetária sofreu um enorme abanão, que leva hoje,
por exemplo, governadores de bancos centrais prestigiados virem a terreiro a
reclamar a presença da política fiscal para completar a sua vertiginosa perda
de autossuficiência, como a anemia do crescimento da recuperação que sobreveio
a tal crise veio suscitar enormes desafios. Paralelamente e ajudando a esse
movimento de pressão, nunca como hoje o capitalismo e os seus excessos de
concentração, de desigualdade, de não integração dos custos ambientais e de
polarização no mercado de trabalho suscitaram tanta crítica interna e também
externa.
Entre outras consequências, a peregrina ideia de que a
ciência económica deveria evoluir num contexto de valores neutrais, trabalhando
com indivíduos “amorais”, prosseguindo o seu máximo interesse pessoal tem sido
fortemente abanada. Para sermos rigorosos, não podemos ignorar o que representaram,
por exemplo, para a sociedade americana, os estudos do Nobel Angus Deaton e
Anne Case, quando mostraram que esse universo de valores neutrais e de
confiança ilimitada nas virtualidades do mercado conduzira essa sociedade
americana a uma multiplicação de fenómenos de suicídio, excesso de drogas e
alcoolismo rebaixando surpreendentemente a esperança de vida de vários segmentos
da população americana. Mas também fenómenos como a desigualdade, a
concentração empresarial com apagamento das leis anti trust, a discriminação
da mulher têm contribuído para que nada fique como dantes.
Dani Rodrik no Project Syndicate (no quadro do seu
importante contributo para o movimento Economics for Inclusive Prosperity,
link aqui) faz eco do que a grande reunião anual de janeiro da American
Economic Association anuncia em termos de um ambiente mais promissor para
fazer crescer a ciência económica com maior apetência e capacidade de
integração de outros quadros institucionais para fazer os mercados funcionar
com maior eficácia.
A questão de uma maior abertura e imaginação à integração
de quadros institucionais mais diversificados por estarem apoiados em sistemas
de valores mais comprometidos com o valor social é crucial para possibilitar
uma maior fertilização cruzada com outras ciências sociais, o que não significa
perda de rigor para o pensamento económico.
É nesse âmbito promissor que este blogue sempre se
movimentou. Foi por isso com algum entusiasmo que me cruzei recentemente em
termos de leituras com o trabalho de uma das jovens promessas da economia
americana, Melissa Dell (Harvard University), uma das laureadas do prémio
Calvó, concedido pelo Collegi d’Economistes de Catalunya. Na conferência
que a jovem economista americana proferiu na atribuição desse prémio, o tema
foi nada mais nada menos do que este: “Persistence and Transformation in
Economic Development” (link aqui). Estou no meu mundo. Não há outra
disciplina que integre melhor os sistemas de valores e a diversidade dos
quadros institucionais. Já era tempo da economia do desenvolvimento regressar ao
lugar de onde nunca deveria ter saído. Bravo Melissa.
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