domingo, 19 de janeiro de 2020

E COMO VAI A CIÊNCIA ECONÓMICA?



(Inicialmente pressionada pelo pós-crise 2007-2008, a ciência económica dita de mainstream, ou seja, que domina a produção científica nesta área, não tem parado de estar submetida a uma forte e diversificada pressão de mudança. A necessidade de padrões de crescimento mais inclusivo, o retorno ao reconhecimento da desigualdade como tema intrínseco do capitalismo, a plena integração da questão ambiental e da emergência climática são domínios ponderosos para que nada fique na mesma e outros poderiam ser aqui invocados. Será assim?)

Adoraria poder neste momento iniciar uma carreira de investigação em economia. O ambiente intelectual é estimulante para mentes abertas e ao fim de largo tempo do mais puro autismo da economia de mainstream começam, finalmente, a tomar forma movimentos com diferentes origens para reaproximar a disciplina económica dos temas e discussões que urge travar para melhor a eficácia do seu poder de transformação das coisas. E sobretudo fazer de novo ouvir as orientações e ideias do novo pensamento. As dificuldades aguçam o engenho e demovem as inércias mais rígidas.

As pressões para a mudança abundam e não param de crescer em intensidade e também em diversidade. O estado das economias avançadas após a crise de 2007-2008 (a Grande Recessão) causou os primeiros estragos no imobilismo. Não só a política monetária sofreu um enorme abanão, que leva hoje, por exemplo, governadores de bancos centrais prestigiados virem a terreiro a reclamar a presença da política fiscal para completar a sua vertiginosa perda de autossuficiência, como a anemia do crescimento da recuperação que sobreveio a tal crise veio suscitar enormes desafios. Paralelamente e ajudando a esse movimento de pressão, nunca como hoje o capitalismo e os seus excessos de concentração, de desigualdade, de não integração dos custos ambientais e de polarização no mercado de trabalho suscitaram tanta crítica interna e também externa.

Entre outras consequências, a peregrina ideia de que a ciência económica deveria evoluir num contexto de valores neutrais, trabalhando com indivíduos “amorais”, prosseguindo o seu máximo interesse pessoal tem sido fortemente abanada. Para sermos rigorosos, não podemos ignorar o que representaram, por exemplo, para a sociedade americana, os estudos do Nobel Angus Deaton e Anne Case, quando mostraram que esse universo de valores neutrais e de confiança ilimitada nas virtualidades do mercado conduzira essa sociedade americana a uma multiplicação de fenómenos de suicídio, excesso de drogas e alcoolismo rebaixando surpreendentemente a esperança de vida de vários segmentos da população americana. Mas também fenómenos como a desigualdade, a concentração empresarial com apagamento das leis anti trust, a discriminação da mulher têm contribuído para que nada fique como dantes.

Dani Rodrik no Project Syndicate (no quadro do seu importante contributo para o movimento Economics for Inclusive Prosperity, link aqui) faz eco do que a grande reunião anual de janeiro da American Economic Association anuncia em termos de um ambiente mais promissor para fazer crescer a ciência económica com maior apetência e capacidade de integração de outros quadros institucionais para fazer os mercados funcionar com maior eficácia.

A questão de uma maior abertura e imaginação à integração de quadros institucionais mais diversificados por estarem apoiados em sistemas de valores mais comprometidos com o valor social é crucial para possibilitar uma maior fertilização cruzada com outras ciências sociais, o que não significa perda de rigor para o pensamento económico.

É nesse âmbito promissor que este blogue sempre se movimentou. Foi por isso com algum entusiasmo que me cruzei recentemente em termos de leituras com o trabalho de uma das jovens promessas da economia americana, Melissa Dell (Harvard University), uma das laureadas do prémio Calvó, concedido pelo Collegi d’Economistes de Catalunya. Na conferência que a jovem economista americana proferiu na atribuição desse prémio, o tema foi nada mais nada menos do que este: “Persistence and Transformation in Economic Development” (link aqui). Estou no meu mundo. Não há outra disciplina que integre melhor os sistemas de valores e a diversidade dos quadros institucionais. Já era tempo da economia do desenvolvimento regressar ao lugar de onde nunca deveria ter saído. Bravo Melissa.

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