(O
autor de um dos meus blogues de referência, o Professor Bradford DeLong,
Universidade de Berkeley, tem por hábito de quando em vez publicar o que ele
designa de “notes to self”. Obviamente sem a
pretensão de chegar ao nível de reflexão que as notas de DeLong anunciam, o
modelo é-me útil, sobretudo quando o tempo escasseia para dar conta do recado simultâneo
de alimentar o blogue com nova reflexão e preparar uma intervenção mais
estruturada. Por isso, as minhas “notes to self” transformam-se em notas para
uma intervenção que ocuparão muito provavelmente os próximos posts)
Ter uma vida profissional intensa e ainda para meus
pecados territorial e tematicamente muito diversificada e conjugá-la com as
leituras para um blogue que se pretende interventivo no domínio dos
relacionamentos entre o público e o privado já é, por si só, exigente para os
meus 70 anos. Fazer coexistir em alguns momentos esse esforço com a preparação
de uma intervenção pública estruturada chame-se-lhe conferência, aula ou
simplesmente charla implica levar o desafio a um patamar ainda mais exigente,
sobretudo para quem não tem propensão para eremita e não desiste de uma vida familiar
preenchida atenta ao que o rodeia.
De onde vem então esta necessidade de transformar a
dimensão das “notes to self” do blogue em notas para uma intervenção?
No âmbito dos trabalhos do 3º Encontro Nacional de
Economia Política organizado pela Associação Portuguesa de Economia Política,
os amigos e colegas Luís Carvalho (atualmente a dirigir o Mestrado em Gestão e
Economia da Inovação da FEP que ajudei a consolidar) e Pilar González
companheira de três trabalhos publicados pela Edward Elgar e International
Labour Organisation (ILO). O evento aproxima-se (30 de janeiro e 1 de
fevereiro) e como calculam a oportunidade de um regresso à FEP mexe comigo.
O convite que me foi dirigido situa-se no domínio da
relação economia-inovação-território e o que me é solicitado é que analise, à
luz do pensamento sobre a inovação, como o tema tem evoluído em Portugal, tendo
em conta sobretudo a génese dos sistemas regionais de inovação (SRI) e o marco
que pode ou não ter representado a introdução das estratégias regionais de
especialização inteligente. Dois anos de intenso trabalho em torno da avaliação
da implementação das estratégias nacional e regionais de especialização
inteligente em Portugal (2018 e 2019) permitiram aprofundar trabalho de
investigação desenvolvido inicialmente com os colegas Alexandre Almeida e Mário
Rui Silva sobre a emergência e consolidação de SRI (publicado na European
Planning Studies em 2011) e em parte prolongado com a avaliação das políticas
públicas de inovação e internacionalização no período de programação 2007-2013 que
coordenei em 2013.
Para situar as “notes to self” que poderão
seguir-se nos próximos dias, convém recordar o resumo que fiz passar para a
versão inicial do programa:
“Partindo do conceito
de sistemas regionais de inovação (SRI) e do seu muito diversificado grau de
maturidade nas sete regiões portuguesas, a comunicação discute o que o primeiro
ciclo de implementação das estratégias regionais de especialização inteligente
(EREI) e da estratégia nacional (ENEI) e a sua revisão para o próximo ciclo de
programação 2021-2027, trazem ao desenvolvimento das interações
economia-inovação-território na economia portuguesa no seu atual estádio de
desenvolvimento. A base que suporta a reflexão é o trabalho anterior do autor
sobre a temática dos SRI e sobretudo a avaliação da implementação das ENEI e
EREI no atual período de programação, com evidência reportada a 31.12.2018”
Com este ponto de partida, não estranhem que a primeira “note
to self” evolua em torno do conceito e génese de sistemas regionais de inovação
em Portugal, que não foi batalha fácil (uma outra conversa), mesmo depois do
conceito de sistema de inovação se ter imposto na literatura e na ainda
reduzida investigação que se fazia em Portugal sobre o tema. O ponto de partida
é claramente o conceito de sistemas de inovação (nacionais), que
progressivamente foi enriquecido principalmente com as escalas do regional, do
local.
Muito na linha dos contributos seminais que Lundvall
trouxe ao tema, Charles Edquist (2005) ajudou-nos a distinguir entre o
essencial e o acessório:
“Um sistema integra dois
tipos de constituintes: primeiro, alguns tipos de componentes e, segundo,
relações entre elas. As componentes e as relações devem formar um todo coerente
(cujas propriedades são distintas das propriedades dos constituintes.
O sistema tem uma
função, ou seja, um desempenho ou alguma realização.
Deve ainda ser possível
discriminar entre o sistema e o resto do mundo (universo referente, nota
minha); ou seja, deve ser possível identificar as fronteiras do sistema. Se por
exemplo quisermos realizar alguns estudos empíricos de sistemas específicos,
devemos, obviamente, conhecer a sua extensão”.
Podemos sem dúvida questionar o formalismo deste alerta e
muitos o fazem. Mas invoco-o aqui, como nota de reflexão, para se compreender a
importância que tem vindo a assumir na avaliação da consistência dos sistemas
regionais de inovação em formação a dimensão da intensidade das práticas
colaborativas e da interação entre os diferentes elementos do sistema (universidades
e unidades de investigação produtoras de conhecimento, unidades de
transferência de conhecimento e tecnologia para as empresas, centros
tecnológicos e outras unidades de interface conhecimento-empresas, infraestruturas
de base tecnológica, incubadoras, empresas com ou sem unidades internas de
I&D, centros de formação, brokers, enfim uma miríade de elementos constituintes.
A minha primeira nota de reflexão parte desse reconhecimento e da necessidade
de operacionalização de métodos para medir a intensidade e riqueza dessas
práticas colaborativas. Porém, o que procuro mostrar é que a evolução dos SRI
em Portugal enfrentou e ainda enfrenta um desafio muito importante: não basta
captar a evolução da intensidade e diversidade das interações sistémicas e das
práticas colaborativas (modelos de tripla e quádrupla hélice, por exemplo); é
fundamental compreender se o núcleo central do SRI está ou não a ser
progressivamente deslocado para o foco “empresa” em linha com a essência do
conceito de inovação.
Voltarei ao assunto.
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