quarta-feira, 22 de janeiro de 2020

NOTAS PARA UMA INTERVENÇÃO



(O autor de um dos meus blogues de referência, o Professor Bradford DeLong, Universidade de Berkeley, tem por hábito de quando em vez publicar o que ele designa de “notes to self”. Obviamente sem a pretensão de chegar ao nível de reflexão que as notas de DeLong anunciam, o modelo é-me útil, sobretudo quando o tempo escasseia para dar conta do recado simultâneo de alimentar o blogue com nova reflexão e preparar uma intervenção mais estruturada. Por isso, as minhas “notes to self” transformam-se em notas para uma intervenção que ocuparão muito provavelmente os próximos posts)

Ter uma vida profissional intensa e ainda para meus pecados territorial e tematicamente muito diversificada e conjugá-la com as leituras para um blogue que se pretende interventivo no domínio dos relacionamentos entre o público e o privado já é, por si só, exigente para os meus 70 anos. Fazer coexistir em alguns momentos esse esforço com a preparação de uma intervenção pública estruturada chame-se-lhe conferência, aula ou simplesmente charla implica levar o desafio a um patamar ainda mais exigente, sobretudo para quem não tem propensão para eremita e não desiste de uma vida familiar preenchida atenta ao que o rodeia.

De onde vem então esta necessidade de transformar a dimensão das “notes to self” do blogue em notas para uma intervenção?

No âmbito dos trabalhos do 3º Encontro Nacional de Economia Política organizado pela Associação Portuguesa de Economia Política, os amigos e colegas Luís Carvalho (atualmente a dirigir o Mestrado em Gestão e Economia da Inovação da FEP que ajudei a consolidar) e Pilar González companheira de três trabalhos publicados pela Edward Elgar e International Labour Organisation (ILO). O evento aproxima-se (30 de janeiro e 1 de fevereiro) e como calculam a oportunidade de um regresso à FEP mexe comigo.

O convite que me foi dirigido situa-se no domínio da relação economia-inovação-território e o que me é solicitado é que analise, à luz do pensamento sobre a inovação, como o tema tem evoluído em Portugal, tendo em conta sobretudo a génese dos sistemas regionais de inovação (SRI) e o marco que pode ou não ter representado a introdução das estratégias regionais de especialização inteligente. Dois anos de intenso trabalho em torno da avaliação da implementação das estratégias nacional e regionais de especialização inteligente em Portugal (2018 e 2019) permitiram aprofundar trabalho de investigação desenvolvido inicialmente com os colegas Alexandre Almeida e Mário Rui Silva sobre a emergência e consolidação de SRI (publicado na European Planning Studies em 2011) e em parte prolongado com a avaliação das políticas públicas de inovação e internacionalização no período de programação 2007-2013 que coordenei em 2013.

Para situar as “notes to self” que poderão seguir-se nos próximos dias, convém recordar o resumo que fiz passar para a versão inicial do programa:

Partindo do conceito de sistemas regionais de inovação (SRI) e do seu muito diversificado grau de maturidade nas sete regiões portuguesas, a comunicação discute o que o primeiro ciclo de implementação das estratégias regionais de especialização inteligente (EREI) e da estratégia nacional (ENEI) e a sua revisão para o próximo ciclo de programação 2021-2027, trazem ao desenvolvimento das interações economia-inovação-território na economia portuguesa no seu atual estádio de desenvolvimento. A base que suporta a reflexão é o trabalho anterior do autor sobre a temática dos SRI e sobretudo a avaliação da implementação das ENEI e EREI no atual período de programação, com evidência reportada a 31.12.2018

Com este ponto de partida, não estranhem que a primeira “note to self” evolua em torno do conceito e génese de sistemas regionais de inovação em Portugal, que não foi batalha fácil (uma outra conversa), mesmo depois do conceito de sistema de inovação se ter imposto na literatura e na ainda reduzida investigação que se fazia em Portugal sobre o tema. O ponto de partida é claramente o conceito de sistemas de inovação (nacionais), que progressivamente foi enriquecido principalmente com as escalas do regional, do local.

Muito na linha dos contributos seminais que Lundvall trouxe ao tema, Charles Edquist (2005) ajudou-nos a distinguir entre o essencial e o acessório:

“Um sistema integra dois tipos de constituintes: primeiro, alguns tipos de componentes e, segundo, relações entre elas. As componentes e as relações devem formar um todo coerente (cujas propriedades são distintas das propriedades dos constituintes.
O sistema tem uma função, ou seja, um desempenho ou alguma realização.
Deve ainda ser possível discriminar entre o sistema e o resto do mundo (universo referente, nota minha); ou seja, deve ser possível identificar as fronteiras do sistema. Se por exemplo quisermos realizar alguns estudos empíricos de sistemas específicos, devemos, obviamente, conhecer a sua extensão”.

Podemos sem dúvida questionar o formalismo deste alerta e muitos o fazem. Mas invoco-o aqui, como nota de reflexão, para se compreender a importância que tem vindo a assumir na avaliação da consistência dos sistemas regionais de inovação em formação a dimensão da intensidade das práticas colaborativas e da interação entre os diferentes elementos do sistema (universidades e unidades de investigação produtoras de conhecimento, unidades de transferência de conhecimento e tecnologia para as empresas, centros tecnológicos e outras unidades de interface conhecimento-empresas, infraestruturas de base tecnológica, incubadoras, empresas com ou sem unidades internas de I&D, centros de formação, brokers, enfim uma miríade de elementos constituintes. A minha primeira nota de reflexão parte desse reconhecimento e da necessidade de operacionalização de métodos para medir a intensidade e riqueza dessas práticas colaborativas. Porém, o que procuro mostrar é que a evolução dos SRI em Portugal enfrentou e ainda enfrenta um desafio muito importante: não basta captar a evolução da intensidade e diversidade das interações sistémicas e das práticas colaborativas (modelos de tripla e quádrupla hélice, por exemplo); é fundamental compreender se o núcleo central do SRI está ou não a ser progressivamente deslocado para o foco “empresa” em linha com a essência do conceito de inovação.

Voltarei ao assunto.

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