sexta-feira, 17 de janeiro de 2020

NA BASE DO MONTE BRASIL



(Dois dias de trabalho, nos Açores, ilha Terceira, oportunidade para um reencontro com a Autonomia e captar o que vai mudando neste território, que deveria merecer uma melhor atenção dos Portugueses em geral dado o que significa viver num arquipélago longínquo)

Há muitos anos atrás a Terceira e Angra do Heroísmo foram a minha porta de entrada de conhecimento dos Açores. Na sequência das oportunidades de trabalho na região, a porta de entrada foi mudando para São Miguel e Ponta Delgada, com algumas passagens mais esporádicas pelo Faial e Horta.

Foi, por isso, com alguma curiosidade que regressei à porta de entrada da Terceira e de Angra do Heroísmo, gozando a calma do Terceira Mar, que tem aquela particularidade de acordarmos de manhã com o Monte Brasil no horizonte imediato e o mar a bordejar a sua base. Claro que aquele relvado que precede e enriquece a piscina exterior do hotel terá de ficar para uma outra estadia, pois apesar do dia de quinta feira ter sido um dia de agradável amenidade, contrastando com as notícias que vinham do continente, a ambiência convidava mais a uma bebida no bar do que aventuras pela imensidão daquele relvado.

A Terceira sempre foi para mim uma entidade misteriosa. Das conversas lá bem para trás com o já desaparecido e saudoso Carlos Corvelo, com jantares de franca cavaqueira no Fernando em S. Mateus, transmitia-se aquela ideia da riqueza de tertúlia e pensamento, mas ficava sempre desconcertado pois só em algumas livrarias de Ponta Delgada encontrava sinais dessa tradição pois livrarias em Angra nunca cheguei a dar com elas. Mas o ar claramente menos cosmopolita de Angra quando confrontada com Ponta Delgada e mesmo a Horta era precisamente a nota que lhe dava para mim algum encanto, que alguma sombra de patine reforçava, realçando o tom inequivocamente mais recolhido (que alguns dirão fechado e aristocrata) com que Angra se diferencia.

Estava por isso curioso em apreender de que modo a descoberta do turismo pela região terá alterado esse padrão, sabendo de antemão que janeiro não é o mês certo para entender essa mudança e estou certo que nos próximos tempos terei oportunidade de recolher evidência para a minha pesquisa de visitante quase acidental. Mas há sinais de uma mudança lenta em Angra do Heroísmo, lenta muito lenta, de que a proliferação de alguns restaurantes é talvez o sinal mais evidente (a Tasca das Tias recomenda-se). O comércio local (que foi sempre um fator desfavorável relativamente a Ponta Delgada) vai dando sinais de alguma transição e antevejo por isso que a dualidade vai manter-se por algum tempo.

A base das Lajes lá está no meio do oceano imponente e já claramente rendida ao abandono daquela massa de americanos (que chegou a 5.000 empregos). Por estranha coincidência, ontem, os jornais de Angra davam conta de que algumas residências de pessoal americano, encerradas desde 2015, mas presume-se ainda equipadas, tinham sido assaltadas por meliantes detidos entretanto. Não tive tempo de regressar à ambiência da Praia da Vitória comparando-a com a minha imagem do passado, construída ainda com americanos à mistura, para apreender de que modo se consumou a transição para o novo contexto. Alguns caças americanos, expectantes na pista, talvez estivessem associados ao aquecimento das coisas no Golfo, mas podia ser algo de circunstancial. Um grupo de militares espanhóis de uma força ORION da NATO passaram pelo Terceira Mar mas imagino mais em missão de treino do que por qualquer outro motivo.

Desconheço quais os planos e ideias do Governo Regional para as Lajes neste outro contexto de cooperação com os EUA. A infraestrutura tem uma dimensão que transcende bastante todo o potencial de transporte aéreo normal da Terceira e de ligações inter-ilhas, mesmo admitindo que o surto turístico possa vir a intensificar-se. Por isso, há ali um potencial de capital físico para o qual alguma ocupação ou função terá de ser encontrada.

Estou com curiosidade em avaliar o que pode o Parque de Ciência e Tecnologia da Terceira TERINOV pode vir a representar, mas isso fica para reflexões futuras, com mais estadias na base do Monte Brasil e desejavelmente com usufruto daquele magnífico relvado em simbiose com o mar.

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