segunda-feira, 6 de janeiro de 2020

NÃO HAVIA NECESSIDADE!

(Imagens do debate da investidura com a deputada do EH Bildu a abandonar o palco depois da sua intervenção)


(Penosa é a única palavra que me ocorre para classificar a caminhada de Pedro Sánchez para a sua eventual investidura na próxima terça-feira. E, ao contrário do que poderia pensar-se, a margem de vitória na segunda volta da votação no Congresso de Deputados reduziu-se substancialmente para cerca de um deputado, sobretudo depois da tomada de posição da Coligação Canária em que uma deputada quebrou a disciplina de voto e anuncia votar contra a investidura.)

A Espanha vive momentos conturbados e isso não me agrada para além de poder revelar-se catastrófica para os nossos próprios interesses de país simultaneamente ibérico e europeu, mas cuja força de integração europeia seria fortemente lesada pela instabilidade permanente dos nossos vizinhos. Sou o primeiro a considerar que o esforço de Pedro Sánchez para retirar o problema catalão da via judicial em que o PP de Rajoy o colocou é meritório, constituindo aliás a única via possível para diluir a tensão que está criada. Pode dizer-se que essa diluição de tensão é meramente provisória, é tudo uma questão de tempo, pois o problema está lá e a dimensão do independentismo não dá sinais de esmorecimento, antes pelo contrário, e tem aliás a demografia a seu favor, pois a juventude catalã foi bem trabalhada, sabe-se lá em que condições. O acordo conseguido com a Esquerra Republicana, tirando partido da relativa rotura que existe entre a ER e as restantes forças independentistas ligadas a Carles Puigdemont, é um prodigioso equilíbrio da contenção possível. Tanto mais prodigioso quanto em plena negociação mais uma decisão judicial (indiscutível nesse plano) respeitante à destituição de Quim Torra da presidência da Generalitat por desobediência administrativa) vem aquecer de novo o ambiente.

Já quando Sánchez acena como argumentação os meandros de uma Espanha Federal emergem dúvidas mais sérias, pois continuo a admitir que uma Espanha das nações e das autonomias pode não equivaler necessariamente a uma Espanha Federal. Mas no contexto de uma negociação tão complexa (e tudo isto é apenas para assegurar uma investidura, imaginemos o que será o cenário de uma governação quotidiana nestas condições) invocar ou não o federalismo é coisa secundária, não me custa admiti-lo.

Mas assistir ao desenvolvimento da sessão parlamentar que conduziu à esperada evidência de que não existia em primeira volta espaço para uma maioria absoluta traz a sensação de uma penosidade em torno da qual pode questionar-se se o preço desta investidura não será demasiado alto para ser suportado.

De facto, mesmo sem conhecer os termos não publicamente divulgados dos acordos conseguidos para a abstenção de algumas forças nacionalistas, a contínua animosidade de algumas dessas forças, não apenas dirigida à esfrangalhada direita espanhola, mas também ao próprio PSOE enerva qualquer um e a única coisa que me ocorre dizer é que não me agrada aquele sorriso cínico amarelo de Pedro Sánchez. Assistir na dinâmica da investidura a posições como a do EH Bildu, agremiação diretamente emanada da ETA de má memória, mina qualquer acordo por mais prodigioso que seja, projetando-se naturalmente numa Espanha totalmente fraturada e anunciando uma legislatura de uma complexidade extrema.

Pelas bandas da esfrangalhada direita espanhola, as coisas não vão melhores. Tal qual Joana d’Arc revigorada, com uma presença cénica notável, Inés Arrimadas do Ciudadanos tenta em vão apelar aos barões do PSOE para uma última prova de desobediência para inviabilizar a investidura, tentando recuperar a ideia da aliança PSOE-PP- CIUDADANOS que o seu ex-líder e próximo Rivera desbaratou e comprometeu. Em vão.

Amanhã, se nenhum trânsfuga de última hora não aparecer, Sánchez lá conquistará a investidura talvez por um único voto de diferença e aposto que não haverá um espanhol por mais distraído e desinformado que seja que vá desconhecer o nome Teruel. É que se o deputado que representa o movimento em torno daquele símbolo da periferia (aragonesa) espanhola negar o apoio a Sánchez haverá um empate e tudo recomeçará de novo.

Mas a caminhada para a investidura talvez seja apenas um calvário que irá desembocar no inferno da governação, a não ser que a antecipação do regresso da direita ao poder provoque um súbito e inesperado movimento de responsabilização.

Para acompanhar com todas as ferramentas possíveis.

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