(O 31 de janeiro marca simbolicamente uma outra forma de compreendermos
a União Europeia. Não comungo de ideias muito catastrofistas relativamente ao
futuro estado da União (se as tivesse elas já estariam formadas) e ao Reino
(Des)Unido a médio prazo. Mas tenho uma sensação
estranha, de alguma inquietação, acerca das causas e antecedentes que conduziram
a esta decisão da democracia britânica.)
Bem sei que o Reino Unido
entrou tardiamente no processo de construção da União, que talvez nunca tivesse
comungado dos mesmos ideais que inspiraram os fundadores e que, talvez por
nosso descuido ou arrogância, nunca tivéssemos feito compreender à população
britânica, não à sua elite ou elites (tão fraturadas que elas andam) a
importância da sua presença e do espírito crítico que a acompanhava.
Sei também que com
decisões democráticas não se brinca, mesmo que seja hoje cada vez mais claro
que tais decisões foram construídas com base em enviesamentos de informação, desonestidade
de princípios, perceções acicatadas por tabloides ao serviço de uma
internacional populista que se vai formando com apoios por todo esse mundo
fora.
Estou ainda
convencido que os britânicos não têm ainda hoje uma compreensão clara dos
custos e riscos que aquela decisão democrática pode gerar, em primeiro lugar do
ponto de vista dos elementos mais básicos das suas condições de vida. Por isso,
Boris Johnson se apressou, após eleições, a orçamentar uma injeção de capital
público em matérias a que a idiota política de austeridade de Cameron-Osborne submeteu
a população britânica mais desfavorecida. Basta lembrar a elevada
vulnerabilidade a catástrofes naturais, a miserável política de habitação
condenando cruelmente gente envelhecida a deslocações de residência de mais de
300 quilómetros e à progressiva degradação dos serviços públicos. Mas também do
ponto de vista da unidade política e territorial do Reino Unido, a decisão
democrática do BREXIT não antecipou todas as suas possíveis consequências e
tratou a chamada questão irlandesa com uma leviandade típica dos que desdenham
da história, simplesmente porque não a conhecem, não a querem conhecer ou por
meras questões de classe e de casta.
Embriagados pela
ilusão do retorno aos grandes tempos, os britânicos tomam a decisão no contexto
mais desfavorável para uma visão desbotada do império que já não existe. Como a
lúcida Teresa de Sousa tem sublinhado, rapidamente os britânicos compreenderão
que, ainda que ressalvando e protegendo toda a sua especificidade, estão mais
próximos da Europa democrática do que dos Estados Unidos, onde sob a capa do
interesse nacional (que deve ser a coisa mais plástica deste mundo) o presidente
verá provavelmente validada a sua peculiar interpretação do “quero, posso e
mando”.
É óbvio que nada está
perdido do ponto de vista do após-BREXIT. Os canais de comunicação não foram
cortados ou sabotados e para a própria luta contra a desagregação possível do
Reino Unido e a minimização dos engulhos da questão irlandesa canais fluidos de
diplomacia com a União serão absolutamente cruciais.
A minha conceção de
União Europeia nunca favoreceu a aprovação de uma homogeneidade forçada e o
esbatimento de algumas identidades nacionais. A presença do Reino Unido com a natureza
vetusta da sua democracia e do seu Parlamento faziam parte da minha ideia de
Europa. O contraponto entre as instituições insulares e continentais fazia bem
ao espírito europeu, confrontava-o permanentemente com a necessidade de confrontar
e integrar os parlamentos nacionais e relembrava-nos da imperiosa construção de
consensos, de visões partilhadas e tudo menos aprovações laudatórias de
decisões provenientes de diretórios ideológicos e representantes de grupos de
interesses que instrumentalizaram a ideia de Europa.
Este 31 de janeiro
traz-me assim uma sensação estranha de perda como quando se perde um amigo e a
memória da sua presença continua viva e persistente.
Mas também a 31 de
janeiro, mais propriamente a 31 de janeiro de 1797 num subúrbio de Viena nascia
Franz Schubert.
223 anos depois a
memória de Schubert é revivida e realimentada permanentemente sempre que a sua
música me envolve e comove.
Comemoremos assim um
nascimento para atenuar a sensação de perda com o último disco com música de
Schubert que me chegou às mãos por encomenda da Presto Classical, a minha fonte
preferida de importação, já que a FNAC está cada vez mais escanzelada e
subnutrida em termos de música clássica.
O disco em causa é
uma edição de 2019 da insuperável BIS e oferece-nos o primeiro volume da Música
para Violino de Schubert com a DIE Kölner Akademie dirigida por Michael Alexander
Willens e com Ariadne Daskalakis no violino e Paulo Giacometti no piano forte.
Schubert capital da minha ideia de Europa.
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