(Um começo de ano diferente, jantar entre
amigos, talvez sofisticado demais para o meu gosto, mergulho numa baixa abarrotada
de gente para tentar, é o termo, ver o fogo, ouvir o Miguel Araújo, frio que
bastava e sobretudo a esmagadora evidência de que o Porto se transformou numa
Cidade fortemente cosmopolita sem deixar de ser acolhedora, com estrangeiros
jovens e mais velhos por todo lado e até brindei ao Novo Ano com uns italianos
simpáticos, Auguri a voi. Mas é tempo de voltar à escrita que 2020 vai ser estimulante nessa matéria.)
Na manhã do 1º de janeiro (que saudades daquele jornal),
regresso misturado com mais de 20 milhões de espectadores ao incontornável
Concerto de Ano Novo em Viena, do qual ainda não perdi totalmente a esperança,
por um ato de magia ou de uma escapada no Euromilhões, de usufruir, talvez em
sonhos, tamanho é o glamour que irradia daquela sala, pelo menos segundo as
lentes da já tradicional reportagem da Eurovisão. E como reconheço as minhas
contradições, vivendo o melhor possível com as mesmas, associo o ambiente do
Concerto de Ano Novo em Viena ao primeiro tema que escolhi para este ano, as
ainda enormes dificuldades de medida da desigualdade da distribuição do
rendimento.
De facto, atendendo aos preços a que chegam as entradas
no Concerto de Ano Novo na prestigiada sala de concertos Musikverein, a grande
probabilidade é que naquele espaço se encontrem algumas fortunas sonantes. Mas
enquanto mergulho naquela transmissão em direto não é de economia ou política
que se trata, mas apenas do puro usufruto de uma magia temporal. Este ano
fiquei com a sensação de que tinha assistido a um dos melhores concertos de Ano
Novo de sempre tamanha foi a condução do maestro letão Andris Nelsons, nada
mais nada menos do que atualmente responsável pelas orquestras sinfónicas de
Boston e de Leipzig (a famosa Gewndhaus). Fiquei por isso contente quando no dia
seguinte o El País intitulava assim a sua notícia sobre o concerto. “Se puede bailar dirigiendo a los Strauss en el Concierto
de Año Nuevo”.
Obviamente com os Strauss (Johann, Josep e Eduard, sobretudo
os dois primeiros) fortemente representados, o concerto incluiu algumas outras
preciosidades como as Contradanças do próprio Beethoven (atenção aos 250 anos
para comemorar em grande em 2020), uma belíssima Gavotte de Joseph Hellmesberger
e uma fabulosa Abertura da opereta Cavalaria Ligeira de Franz von Suppé que vou
tentar encontrar seja em que gravação for, pois a edição do concerto ainda vai
demorar uns tempos até aparecer no mercado. É uma boa maneira de entrar culturalmente
em 2020, mesmo que à distância e sem estar entre os privilegiados que assentam
o rabo naquela sala.
No Social Europe, com data de hoje, cinco grandes e ainda
relativamente jovens economistas da desigualdade, Facundo Alvaredo, Lucas
Chancel, Thomas Piketty, Emmanuel Saez e Gabriel Zucman publicam um testemunho
veemente, secundado por um conjunto bastante eclético de outros economistas,
sobre a fraca qualidade da informação estatística que permite medir a
desigualdade (não será certamente por acaso), com um título demolidor: “Escaping the inequality-data Dark Ages”.
Citando: “Estamos ainda a viver na Idade das
Trevas em termos de estatísticas da desigualdade. Mais do que uma década
passada sobre a Grande Recessão e os governos ainda não são capazes de seguir
com rigor a evolução da riqueza e do rendimento. As agências estatísticas
produzem estatísticas sobre o crescimento do rendimento para a população como
um todo (contas nacionais) mas não para as “classes médias”, “a classe trabalhadora”
ou o 1% ou os 0,1% mais ricos. E numa altura em que a Google, o Facebook, Visa,
Mastercard e outras empresas multinacionais conhecem pormenores íntimos das
nossas vidas privadas, os governos ainda não captam, e muito menos publicam, as
estatísticas mais básicas sobre a distribuição do rendimento e da riqueza”.
Daqui a importância do esforço que está a ser
paulatinamente realizado em torno da World Inequality Database, reunindo mais
de uma centena de economistas apostados em superar esta limitação atávica, que
resulta do vasto período de trevas em matéria de integração dos temas da
desigualdade na macroeconomia. E aqueles cinco economistas que assinam o artigo
na Social Europe denunciam o efeito adverso que se abate sobre esta clarificação
estatística a partir dos recuos de progressividade fiscal que se observam em
muitos países, comprometendo também por essa via o acesso a informação relevante
para compensar o atavismo das estatísticas nacionais.
Em coerência com estas posições, Gabriel Zucman, entrevistado
pela extremamente perspicaz Heather Bouschey CEO do Equitable Growth Center de
Washington, clama pela necessidade de umas Contas Nacionais Distributivas,
apostadas em vencer as limitações das Contas Nacionais com que os economistas trabalham
a macroeconomia em termos empíricos.
Eis um bom desafio para 2020, que consistirá em integrar
plenamente as questões da distribuição e da desigualdade na macroeconomia vencendo
o atavismo e inépcia de muitos anos, como condição necessária para entender o
nosso tempo.
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