segunda-feira, 13 de janeiro de 2020

DA FRANÇA CORAL AO FLAMENCO DE ROCIO MÁRQUEZ

(Sofi Jeannin)
(Rocio Márquez)

(Fim de tarde e noite na Casa da Música para um programa diferente da Suggia à sala 2, revisitando o magnífico Coro da Casa da Música e a música coral francesa e mergulhando no novo trabalho do prodígio de autenticidade Rocio Márquez. Tempo ganho e a Casa no seu melhor)

Para além da comemoração do ano Beethoven, o programa deste ano da Casa da Música traz-nos um programa Vive la France, importante para a minha formação de amador de ouvido, pois a música francesa não está profusamente representada na minha discoteca.

A consulta da agenda anual tinha-me despertado curiosidade pelo facto da Casa acolher a maestrina sueca Sofi Jeannin (atualmente a dirigir o agrupamento dos BBC Singers) a dirigir um concerto de música coral francesa, projetando o Coro da Casa da Música para mais uma evidência da sua excelência. Alternando peças litúrgicas (de que a Missa em Sol Maior para coro misto de Francis Poulenc foi para mim uma verdadeira revolução) com peças de autores mais conhecidos como Debussy ou Ravel, o programa estreou em Portugal uma obra de 2002-2003 de Philippe Manoury (Fragments d’Héraclite para coro de câmara) com a presença do autor.

A peça de Manoury é um espanto de singela criatividade, pois coro e maestrina arrancam da plateia em direção ao palco enquanto sussurram o prólogo (É preciso não agir como filhos dos antepassados, ou seja, em plena unanimidade, seguindo a tradição), regressando a essas posições no epílogo (É necessário que nos recordemos dos que esquecem a que é que o caminho conduz.)

Já não revia o Coro da Casa já há algum tempo e a sua excelência alinha bem com a da evolução noutro plano da orquestra. A Suggia iluminou-se com aquelas vozes e percebeu-se a comunhão entre o grupo e a maestrina.

À noite, foi tempo de regressar a um tema que me tem despertado também uma forte curiosidade. Já perceberam que tudo que envolva mudança a partir de referenciais de tradição é para mim matéria de interesse, que já vem dos meus tempos de iniciação pela economia e sociologia do desenvolvimento. Os contornos e limites dessa mudança constituem uma matéria central e também incontornável do desenvolvimento e aplicado à criação cultural é um mar sem fim de reflexões.

Nos últimos tempos, tenho seguido a emergência meteórica da cantora Rosalia em Espanha e sobretudo os debates que a sua projeção (com muito marketing e produção de imagem à mistura, sobretudo nos espetáculos) tem suscitado em torno do flamengo, das suas variantes e da sua adulteração para uns, revolução para outros. Tinha por isso interesse em ouvir Rocio Márquez que corresponde a um outro padrão de reinvenção do flamengo, mais intimista, cuja maturidade está perto de ser alcançada com o seu último disco Visto en el Jueves (link aqui na Radio 3 de Espanha, a partir da Casa Patas em Madrid ) que não é um dia de semana mas um mercadito local com toda a sua ambiência.

Natural de Huelva, Rocio Márquez trabalha o cante flamenco com uma força que perturba, numa conjugação perfeita com o exímio guitarrista (António Suárez) Canito e percussionista. Certamente que não escapará também aos que continuam a considerar o flamenco intocável, como se o flamenco não fosse o resultado de um conjunto imenso de influências.

E só para ouvir de novo “Andaluces de Jaén, aceituneiros altivos” valia a pena ter estado na sala 2.

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