segunda-feira, 27 de janeiro de 2020

DIREITICES E INQUIETAÇÕES



(Pouco tempo por questões de trabalho para acompanhar a situação política interna, do congresso de um CDS em apuros aos estragos que a ação de um hacker, Rui Pinto, vai em meu entender provocar, sobretudo à justiça portuguesa, enredada na velha questão dos dois pesos, duas medidas e entre os fogos do não recomendável futebol e o possível abalo sistémico do sistema bancário e financeiro, tão competentes que eles são. Mesmo assim, tempo para o essencial desta vaga de espuma.)

A inefável Cristas, deusa passada das danças da chuva e mui devota, deixou a direita CDS em transe e em aflição, órfã não se sabe bem de quê e anunciava facas afiadas para o congresso. Vários artistas se perfilaram para o embate, quase todos conhecidos apenas dos seus círculos de amigos mais restritos, mas quase todos de verbo fácil, empolgado e muitos deles tendo por certo integrado as equipas de jovens assessores que acompanhavam a ex-ministra Cristas que então se destacavam por não estarem calados e quietos nessas sessões.

Nos ambientes que marcaram a preparação para o congresso e a contagem de espingardas que regra geral acompanham estes eventos partidários pressentia-se o esqueleto mental de Manuel Monteiro a pairar por algumas cenas, menos o de Paulo Portas hoje mais interessado em seguir e beneficiar do rumo que ele próprio deu à chamada diplomacia económica do que inspirar confrontos internos. A imagem do Ventura do Chega também pairava por ali, por mais que a malta disfarçasse. Foi curioso ver o alinhamento de algumas das grandes personalidades do partido, integrando os que se limitaram a influenciar de fora o ambiente e os que tiveram a coragem de ir a terreiro em sítio próprio, sujeitando-se a alguns desamores da turba mais jovem (Pires de Lima como grande evidência).

Estive atento ao posicionamento de Bagão Félix e de António Lobo Xavier, que apoiaram Francisco Rodrigues dos Santos, e intuí por essa via que estava encontrado o vencedor e não me enganei. Esta gente sabe muito, sobretudo o segundo, e aquele sinal pareceu-me premonitório.

Mas há que ter em conta algo que a perspicácia política de um amigo meu me ajudou a relativizar. O CDS é aquele partido em que a gente jovem sempre parece que é pelo menos 10 anos mais velho (que bela e inspiradora imagem) e, por isso, ao contrário do que poderia esperar-se logo pressenti que a mudança com lastro de juventude não equivaleria ao refrescamento necessário.

E assim foi Francisco Rodrigues dos Santos, Chicão para os amigos lá ganhou confirmando a minha intuição, com discurso empolgado e, embora ausente do Parlamento por não ser deputado, antecipo alguns diálogos de espelhos mais com o Ventura do que com a Iniciativa Liberal e o populismo lá vai engrossando as hostes a candidatos.

Os analistas lá foram detetando as inflexões mais reacionárias do que conservadoras do seu discurso e outros talvez mal-intencionados sublinharam também que mulheres praticamente nem vê-las entre as caras chamadas ao palco.

Alguém nas redes sociais e desculpem lá esta cedência dizia com piada que, sim senhora, poucas mulheres mas a verdade é que para o Chicão alguém tem que ficar em casa a cuidar dos Manuéis Maria, dos Afonsos Maria e de outros Maria.


A segunda reflexão vem ainda na sequência do estrilho dos Luanda Leaks e da agora assumida posição pelos advogados de Rui Pinto de que ele é o denunciante que tornou possível o acesso ao material explosivo por parte do Consórcio Internacional de Jornalistas. Imagino que o presidente do meu clube esteja por estes momentos aflitinho da vida antecipando coisas ruins acerca do tratamento equitativo dos vários tipos de leaks agilizados pelo hacker do Norte. Estou a marimbar-me sinceramente para essa matéria e uns saneamentos virtuosos fariam bem ao futebol, doa a quem doer.

O que me preocupa neste caso é uma outra matéria, essa de bem maior alcance.

A questão dos leaks viabilizados por denunciantes, infiltrados ou qualquer outro estatuto, quando acompanhados de pirataria informática, é uma estranha metáfora do estado em que a ganância (greed) e outras derivas do capitalismo que se têm agravado colocaram a democracia mais ou menos liberal. É que chegar à conclusão que as tramóias e outras fraudes e espoliações do dinheiro público só são identificadas e perseguidas pela justiça e por reguladores que queiram regular com a ajuda e interpelados por processos ilícitos e criminosos preocupa qualquer um de espírito aberto. É claro que ainda existem algumas pingas honoráveis de jornalismo de investigação, mas ele próprio colhe alguns resultados quando combinado com tais processos.

Não me digam que isto não é preocupante e um sinal inquietante dos tempos que vivemos.

E por mais estranho que isso pareça, acho que a Ana Gomes vai continuar a ter carradas de razão.

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