sábado, 11 de janeiro de 2020

O REGRESSO DO SENHOR BERNANKE



(Por mais do que uma vez, ousaria mesmo dizer com alguma insistência, chamei a atenção neste blogue para a perturbação generalizada que a Grande Recessão de 2007-2008 provocou entre os macroeconomistas. Entre os que ousaram pensar nesse ambiente de perturbação, Ben Bernanke tem um lugar de destaque. Abandonar a academia e exercer durante algum tempo, entre fevereiro de 2006 e janeiro de 2014, as funções de governador do FED USA inspira-me sempre respeito e admiração)

Tenho para mim como regra fundamental para minimizar a contradição que existe entre a finitude da vida e a magnitude do que se escreve e publica em matéria económica (visível no aumento das frentes da minha estante de proximidade que aguardam o seu tempo de leitura) a procura de ler o que vale a pena. Claro que a preocupação de apenas “ler o que vale a pena” é em si um desafio de enormes proporções, para os quais é preciso ter alguma sorte, escolher alguns guias de confiança (até prova em contrário) e também compreender que é uma tarefa sujeita a rendimentos crescentes, isto é, quanto mais se lê (e se envelhece) mais aumenta a probabilidade da nossa seletividade estar certa. É também óbvio que não é uma tarefa linear. Frequentemente, é necessário fazer desvios, ou seja “ler o que não vale a pena” para melhor compreender o que “vale a pena”. Além disso, nem sempre esse desvio é produtivo, ou seja, nem sempre vale a pena.

Seguindo à risca esta regra, a grande perturbação que a Grande Recessão suscitou entre os macroeconomistas tendeu a gerar lixo que baste entre o que foi escrito acerca dessa perturbação. Uma das grandes razões para esse passivo de lixo de ideias explica-se pelo estado de negação em que muitos macroeconomistas se mantiveram. Os modelos é que tinham razão, não a realidade nua e crua da sequência dos acontecimentos.

Na altura a desempenhar as funções de Chairman dos Governadores do Sistema da Reserva Federal americano, substituindo em 2006 o desacreditado Alan Greenspan, Ben Bernanke acumulou naturalmente uma experiência preciosa para incorporar na sua vasta e já prestigiada produção académica. Ter as mãos na massa na obra certa, ou seja, num dos espaços institucionais mais relevantes para “compor o sistema” (fix the system) que o FED USA constitui teria necessariamente que conduzir à aplicação da regra. Bernanke está, naturalmente, entre os que vale a pena ler.

Sabemos ainda que a perturbação a que atrás me referi não envolveu apenas a explicação do que aconteceu e porque razões aconteceu. A perturbação estendeu-se ao estado macroeconómico que posteriormente se instalou nas economias mais avançadas, essencialmente caracterizado por baixíssimas tacas de juro de curto e longo prazo e geração de um contexto de baixa inflação situado bem abaixo da regra de outro da ação dos bancos centrais, toda ela gizada em torno de um objetivo de 25 para essa taxa de inflação.

A nova situação despertou a necessidade de ser equacionado um novo normal de referência para a ação dos bancos centrais, suscitando por inerência uma outra questão, a de saber se a política monetária exigiria por parte dos bancos centrais a utilização de novas ferramentas. A emergência convicta de que esta necessidade era inadiável e imperiosa mostra bem como o estado de negação em que muitos economistas se colocaram era profundo. Afinal não era tudo passageiro e a economia recusava-se a regressar ao tão esperado normal.

É neste âmbito de interpretação dos novos desafios que se colocam à política monetária e à ação dos bancos centrais que a leitura de Bernanke é relevante, sobretudo quando confrontada com teses que associam o novo normal a problemas de raiz mais estrutural. É o caso das teses de Lawrence Summers em torno da tantas vezes aqui analisada estagnação secular.

A American Economic Association, talvez a associação mais representativa a nível mundial e cujo congresso anual (nos princípios de janeiro) é sempre uma torrente de novas perspetivas, deu como sempre palco ao seu presidente, neste caso Ben Bernanke, para a a sua alocução, cujo tema é bem ilustrativo do tema que hoje trouxe a este blogue, “As novas ferramentas da política monetária” (link aqui).

Bernanke regressa, assim, ao debate sobre as implicações do novo normal macroeconómico, inclinando-se para preferir a modalidade de uso combinado dos processos de Quantitative Easing (compras em grande escala por parte do Banco Central de ativos) e de políticas de comunicação deste último orientadas par o futuro (forward guidance) em relação a outros tipos de intervenção, como por exemplo a subida da taxa de inflação de referência.

A lição inaugural de Bernanke é um repositório precioso de toda a investigação disponível sobre os resultados do Quantitative Easing e da avaliação dos seus possíveis efeitos perversos, representando por isso um contributo bem ao nível de outras conferências inaugurais da reunião anual da American Economic Association (link aqui).

Voltaremos a este valioso manancial de resultados trazidos pela análise sistemática de Bernanke. Mas, numa primeira leitura, o Quantitative Easing parece ter atingido os efeitos pretendidos e, em matéria de incerteza e de geração de efeitos perversos, há evidências de que terão sido exageradas as hipóteses então suscitadas.

Mas há uma matéria que merece revisita. E se emergir a necessidade de uma outra sequência de intervenções de compra em grande escala de ativos por parte dos bancos centrais? Tais resultados são extensíveis a partir de taxas de juro de referência já tão baixas?

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