(Uma notícia ontem publicada no El País (link aqui) traz-nos uma perspetiva
da economia do mar, ou economia azul como a Comissão Europeia gosta de lhe
chamar, que me leva a refletir sobre se o nosso foco nessas atividades não
estará desfocado. Quem
leia o artigo lá fora talvez chegue a conclusões diferentes se o fizermos cá
dentro. Porque será?)
A história dos documentos de estratégia de desenvolvimento em Portugal está
bem preenchida de uma panóplia de marcos de oportunidades que não passaram
disso e que se perderam seja na indiferença de investidores e empresários, seja
no grande fosso que se abriu entre quem define estratégias e quem toma decisões
políticas. Arriscaria a dizer que a economia do mar bate a concorrência nesse
incumprimento de esperanças e oportunidades. Das boas vontades de quem pensa o
problema a partir do potencial de conhecimento que existe em Portugal (como por
exemplo o saudoso Mário Ruivo, desaparecido em janeiro de 2017), até aos
oficiais de Marinha que continuam a pensar num glorioso Mar Português, passando
por betinhos de Cascais e proximidades e pelos deslumbrados da história que
pensam que o passado determina o futuro, o país está cheio de grandes documentos
eloquentes. Regra geral, diga-se, a cada documento a sua orientação, sem
qualquer perspetiva de continuidade, gerando uma política aos solavancos que
está sempre a arrancar, em falso. Ainda no mandato da atual Ministra do Mar,
Ana Paula Vitorino, foi anunciada uma nova abordagem focada na valorização dos clusters portuários, que julgo que nem a
própria Ministra sabia lá muito bem o que pretendia atingir, curiosamente num período
em que a política de clusters continuava a ser olimpicamente esquecida pelo
Ministério da Economia. Hoje já ninguém se recorda dessa tal abordagem dos clusters portuários que não terá passado
de mais um daqueles números que os assessores de imprensa dos Ministros gostam
de proporcionar, esfusiantes e babados com a cobertura de imprensa conseguida
no próprio dia.
Nos últimos tempos, com a persistência de iniciativa do cluster do Mar (Forum
Oceano), cujo secretário-técnico é o meu amigo e parceiro de muitos trabalhos
Rui Azevedo, têm sido os valiosos recursos do conhecimento que têm emergido
como a grande novidade da economia do Mar em Portugal e o seu principal ativo
de transformação. Basta pensarmos nos recursos da biologia marinha (muito
concentrados na Universidade do Algarve e no CIIMAR hoje implantado no Terminal
de Cruzeiros no molhe sul do porto de Leixões), da robótica marinha orientada
para a exploração do oceano profundo (fortemente concentrados no INESC TEC implantado
no campus da Faculdade de Engenharia do Porto), na biotecnologia aplicada ao
agroalimentar relacionado com o Mar (algas, segurança alimentar, preservação
regulada para uma pesca mais inteligente) mais distribuída pelo SCTN e na
energia eólica em plataformas offshore
para compreendermos de que novas alavancas estamos a falar. Curiosamente, a
reportagem do El País concentra-se
precisamente nestes ativos de conhecimento e de investigação e daí que ela dissemine
uma mensagem de forte esperança.
Até que a translação deste conhecimento se traduza efetivamente em novos
investimentos nas atividades produtivas da economia do Mar a economia
portuguesa tem de suar as estopinhas. Estamos a falar de longas maturações no
tempo até que o novo conhecimento se transforme irreversivelmente em nova tecnologia
absorvida seja por empresas incumbentes seja por novas empresas que venham de
fora ou que brotem de dentro a partir de spin-off’s de conhecimento. Não é
coisa que não aconteça noutros domínios promissores da investigação em Portugal,
mas talvez na economia do Mar esse caminho seja ainda mais longo, até porque as
orientações de política pública não têm sido tão estáveis e consistentes. É
claro que a economia do Mar mais tradicional não está imóvel, como o demonstra
a evolução do velho setor das conservas, embora não se saiba se Portugal vai
ser capaz de suster o declínio da pesca com uma consistente modernização de
frota.
O artigo do El País fala de uma
abundante fonte de financiamento vinda dos Fundos Estruturais mas pelo que vou
sabendo a economia do Mar está longe de apresentar procura vibrante a esses
apoios. De um certo modo, a economia do Mar debate-se com um problema similar
ao das ciências da vida e da saúde, embora esta última apresente uma dinâmica bem
mais forte de produção de conhecimento. Mas ambas se debatem com a procura de massa
empresarial para a interação necessária. E isso não acontece da noite para o
dia, havendo sempre o risco do conhecimento ir parar a outras paragens, incorporando-se
em tecnologia que não produziremos. Por isso, quem leia a partir de fora a reportagem
do El País não está a lidar com fake news.
Os ativos existem e representam um elevado potencial. Mas quem leia a reportagem
cá dentro sabe que essa transformação não está garantida. Persistência
precisa-se. Mas essa não dá grandes furos de comunicação. É a vida.
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