sábado, 27 de abril de 2019

A ECONOMIA DO MAR VISTA DE FORA



(Uma notícia ontem publicada no El País (link aqui) traz-nos uma perspetiva da economia do mar, ou economia azul como a Comissão Europeia gosta de lhe chamar, que me leva a refletir sobre se o nosso foco nessas atividades não estará desfocado. Quem leia o artigo lá fora talvez chegue a conclusões diferentes se o fizermos cá dentro. Porque será?)

A história dos documentos de estratégia de desenvolvimento em Portugal está bem preenchida de uma panóplia de marcos de oportunidades que não passaram disso e que se perderam seja na indiferença de investidores e empresários, seja no grande fosso que se abriu entre quem define estratégias e quem toma decisões políticas. Arriscaria a dizer que a economia do mar bate a concorrência nesse incumprimento de esperanças e oportunidades. Das boas vontades de quem pensa o problema a partir do potencial de conhecimento que existe em Portugal (como por exemplo o saudoso Mário Ruivo, desaparecido em janeiro de 2017), até aos oficiais de Marinha que continuam a pensar num glorioso Mar Português, passando por betinhos de Cascais e proximidades e pelos deslumbrados da história que pensam que o passado determina o futuro, o país está cheio de grandes documentos eloquentes. Regra geral, diga-se, a cada documento a sua orientação, sem qualquer perspetiva de continuidade, gerando uma política aos solavancos que está sempre a arrancar, em falso. Ainda no mandato da atual Ministra do Mar, Ana Paula Vitorino, foi anunciada uma nova abordagem focada na valorização dos clusters portuários, que julgo que nem a própria Ministra sabia lá muito bem o que pretendia atingir, curiosamente num período em que a política de clusters continuava a ser olimpicamente esquecida pelo Ministério da Economia. Hoje já ninguém se recorda dessa tal abordagem dos clusters portuários que não terá passado de mais um daqueles números que os assessores de imprensa dos Ministros gostam de proporcionar, esfusiantes e babados com a cobertura de imprensa conseguida no próprio dia.

Nos últimos tempos, com a persistência de iniciativa do cluster do Mar (Forum Oceano), cujo secretário-técnico é o meu amigo e parceiro de muitos trabalhos Rui Azevedo, têm sido os valiosos recursos do conhecimento que têm emergido como a grande novidade da economia do Mar em Portugal e o seu principal ativo de transformação. Basta pensarmos nos recursos da biologia marinha (muito concentrados na Universidade do Algarve e no CIIMAR hoje implantado no Terminal de Cruzeiros no molhe sul do porto de Leixões), da robótica marinha orientada para a exploração do oceano profundo (fortemente concentrados no INESC TEC implantado no campus da Faculdade de Engenharia do Porto), na biotecnologia aplicada ao agroalimentar relacionado com o Mar (algas, segurança alimentar, preservação regulada para uma pesca mais inteligente) mais distribuída pelo SCTN e na energia eólica em plataformas offshore para compreendermos de que novas alavancas estamos a falar. Curiosamente, a reportagem do El País concentra-se precisamente nestes ativos de conhecimento e de investigação e daí que ela dissemine uma mensagem de forte esperança.

Até que a translação deste conhecimento se traduza efetivamente em novos investimentos nas atividades produtivas da economia do Mar a economia portuguesa tem de suar as estopinhas. Estamos a falar de longas maturações no tempo até que o novo conhecimento se transforme irreversivelmente em nova tecnologia absorvida seja por empresas incumbentes seja por novas empresas que venham de fora ou que brotem de dentro a partir de spin-off’s de conhecimento. Não é coisa que não aconteça noutros domínios promissores da investigação em Portugal, mas talvez na economia do Mar esse caminho seja ainda mais longo, até porque as orientações de política pública não têm sido tão estáveis e consistentes. É claro que a economia do Mar mais tradicional não está imóvel, como o demonstra a evolução do velho setor das conservas, embora não se saiba se Portugal vai ser capaz de suster o declínio da pesca com uma consistente modernização de frota.

O artigo do El País fala de uma abundante fonte de financiamento vinda dos Fundos Estruturais mas pelo que vou sabendo a economia do Mar está longe de apresentar procura vibrante a esses apoios. De um certo modo, a economia do Mar debate-se com um problema similar ao das ciências da vida e da saúde, embora esta última apresente uma dinâmica bem mais forte de produção de conhecimento. Mas ambas se debatem com a procura de massa empresarial para a interação necessária. E isso não acontece da noite para o dia, havendo sempre o risco do conhecimento ir parar a outras paragens, incorporando-se em tecnologia que não produziremos. Por isso, quem leia a partir de fora a reportagem do El País não está a lidar com fake news. Os ativos existem e representam um elevado potencial. Mas quem leia a reportagem cá dentro sabe que essa transformação não está garantida. Persistência precisa-se. Mas essa não dá grandes furos de comunicação. É a vida.

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