(Já em preparação de sentidos para a estreia da última
série de A Guerra dos Tronos no SY FY da NOS (canal 90), segunda-feira às
22.15, tempo para uma digressão de prazer por uma última descoberta televisiva,
o Comissário Montalbano dos fins de tarde de sábado e domingo no Canal 2. A luz irrepetível do Mediterrâneo, aquele cantar
do italiano nos ouvidos e o grupo de personagens em torno do Comissário
fazem-nos vogar ao sabor de um tempo a que já não estávamos habituados em
televisão.)
Pois é assim. O canal 2 traz-nos por vezes algumas preciosidades,
fazendo-nos recordar os benefícios do serviço público de televisão, alinhado
com preciosidades ameaçadas pela voracidade dos novos tempos do facilitismo
piroso, do kitsch mais obsceno e pela imbecilidade humana.
Por mera coincidência de zapping desesperado em busca de algo que se veja
com prazer, dei conta de uma série da RAI que tem passado nos tempos do fim de
tarde de sábados e domingos, centrado na figura de um Comissário chamado de
Salvo Montalbano. Por curiosidade dos tempos, o Comissário é interpretado por
Luca Zingaretti, irmão de outro Zingaretti, Nicola, do qual se espera o
ressurgimento tão necessário do Partido Social-Democrata italiano, hoje
simplesmente designado de PD.
Também pela convergência do acaso que tanto aprecio, o Babelia de ontem,
suplemento literário do El País, dedica uma excelente crónica à literatura
centrada nesse inolvidável Mediterrâneo, no âmbito da qual emerge o laborioso
Andrea Camilleri (escreve que se farta) autor da personagem e das histórias de
Montalbano.
Na pequena cidade (imaginária) de Vigata em que as histórias de Montalbano
se desenvolvem, que triangula com outras duas cidades (Palermo obviamente essa
joia siciliana e Génova onde reside e trabalha a companheira Lívia de
Montalbano) respira-se a pacatez bem típica da Sicília dos paradoxos. Uma
pacatez que pode ser perturbada a todo o momento por uma evidência de violência,
nem sempre associada ao crime organizado e às atividades fraudulentas da Máfia,
aqui apresentada como em transição para um mundo de negócios mais diverso, com
a construção civil à cabeça. Aliás essa é uma das características que
diferenciam os episódios conforme se cruzem ou não com a colisão entre grupos
rivais. Mas há sempre a presença de mulheres misteriosas, crimes sexuais, a imigração
ilegal, a construção clandestina e a economia informal, outras aberrações do
comportamento humano numa trama que se prolonga até ao fim de cada episódio, em
diálogo permanente com o mar, a pobreza dos lugares mais recônditos, moradias belíssimas
com vistas deslumbrantes sobre o Mediterrâneo. Montalbano é um comissário de métodos
bastante heterodoxos, sagaz, com grande ligação à sociedade local e defensor daquela
máxima religiosa “enquanto se curte uma refeição não se fala”. As suas
passagens pelos restaurantes locais abre o apetite a qualquer um que se deleite
com a comida italiana mais tradicional, como o são aqueles tentadores “anti-pasti com frutti di mare” que em
muitos episódios me provocam o palato.
Mergulhados que estamos na rotina do ritmo da ficção americana e com o inglês-americano
a martelar-nos os ouvidos, uma série com o ritmo e a musicalidade do italiano dos
episódios do Comissário Montalbano é, nos tempos que correm, uma preciosidade, mostrando
que pode haver uma produção europeia disputando quotas de mercado mais inteligentes
e sensíveis.
As tramas e os personagens diversos que giram em torno de Montalbano são
uma boa descoberta.
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