sexta-feira, 12 de abril de 2019

A GERINGONÇA NO FINANCIAL TIMES



(Numa coluna designada de BIG READ PORTUGAL o Financial Times acolhe a experiência da geringonça e regista-a num tom que está muito para além da afirmação de Centeno segundo a qual a viragem da página da austeridade não foi tão dramática quanto isso. Que este ponto tenha sido o que passou pela comunicação em Portugal diz bem da incomodidade que a geringonça continua a suscitar.)

O longo artigo dos jornalistas Peter Wise e Ben Hall (link aqui) na sua sequência da sua reportagem em Lisboa não traz elementos de grande novidade quanto à evolução macroeconómica portuguesa. Também não apresenta perspetivas muito inovadoras quando à sua compreensão do fenómeno geringonça e dos resultados da gestão macroeconómica e política de Costa e Centeno. Não é esse, em meu entender, o alcance do artigo do FT e reconhecer esse alcance não é muito retribuidor para a oposição em Portugal. O artigo no FT é uma vitória para o governo e para a geringonça em geral porque divulga e até se identifica com a posição sempre reafirmada de Costa e Centeno que o governo mostrou que era possível fazer diferente, algo a que a recente confissão do ex-ministro Schäuble veio dar um novo impulso.

É um facto que o artigo do FT refere a afirmação de Centeno segundo a qual a viragem da página da austeridade não foi tão dramática como isso. Aliás, só para discurso político de encantamento de cobras assanhadas é que alguém se convenceria que isso seria possível. Aliás, como algumas personalidades não propriamente afetas ao governo e citadas pelo FT o afirmam na reportagem, o êxito político de Costa e Centeno é o de terem mostrado que é possível a simultaneidade da disciplina das contas públicas e o aumento da coesão social. É um facto que muitos dos entrevistados citados sublinham a convergência favorável de condições, incluindo a política do BCE, como fator de justificação da experiência, não necessariamente repetível em futuro próximo. Mas na transição para o discurso político eleitoral, Costa e Centeno já o reconheceram em alguns momentos.


Em meu entender, o alcance demonstrador do desempenho alcançado pelo modelo macroeconómico da geringonça é outro e não o tenho visto suficientemente registado. Costa e Centeno vieram mostrar, a posteriori e em função do contexto internacional que encontraram, que as políticas de austeridade engendradas pelo diretório europeu e incentivado pelos países do norte da Europa com a Alemanha a chefiar a orquestra eram uma aberração com a situação internacional em grande quebra de atividade e com as famílias e as empresas a desalavancar e a reduzir dívidas. O ajustamento do mercado interno, com a destruição desnecessária, gratuita e típica de um processo de engenharia social das forças sociais e económicas a ele associadas, e a alteração forçada para o mercado externo só poderia ter sido minimizado com melhores condições de enquadramento da procura internacional, alimentada pela União Europeia (em que os principais não se chegaram à frente não reflecionando) e internacional (dadas as condições de indeterminação).

A não perceção por parte do diretório europeu das piores condições possíveis para forçar aquele modelo de ajustamento ficará na história como um dos processos mais desnecessariamente penosos do ponto de vista social que a história económica recordará no futuro. Para além de terem desvalorizados os efeitos sobre o rebaixamento do produto potencial das economias intervencionadas.

Costa e Centeno vieram a posteriori e noutras condições de enquadramento internacional demonstrar essa irracionalidade. Não propriamente ignorando a austeridade nas economias do sul, mas mostrando como nas condições de condições de contexto em que foi praticada não o poderia ter sido.

A geringonça e mais propriamente Costa e Centeno não precisavam que o artigo do FT fosse laudatório para ganharem com essa publicação. Precisavam apenas, como acontece com o artigo, que o desempenho da experiência fosse apresentado, simplesmente registado com os resultados alcançados em termos de desemprego, emprego e controlo da situação orçamental.

Mas, poderá perguntar-se, bastará o reconhecimento de que maior coesão social é possível com contas públicas relativamente controladas para o PS aguentar positivamente os futuros embates eleitorais. Aqui sou mais reservado. Já estamos habituados a tiros nos pés para todos os gostos e com os impulsos de teor populista, mesmo que controlados quando comparados com o que se passa por esse mundo, que o eleitorado apresenta em Portugal é preciso ter cautela.

É tempo de começar a pensar a geringonça 2 com maior atenção a algumas transformações estruturais, a começar pela do Estado. Mas aí haverá matéria que baste para outras reflexões.

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