(Numa coluna designada de BIG READ PORTUGAL o Financial Times
acolhe a experiência da geringonça e regista-a num tom que está muito para além
da afirmação de Centeno segundo a qual a viragem da página da austeridade não
foi tão dramática quanto isso. Que este ponto tenha sido o que passou pela comunicação em Portugal diz bem
da incomodidade que a geringonça continua a suscitar.)
O longo artigo dos jornalistas Peter Wise e Ben Hall (link aqui) na sua sequência da
sua reportagem em Lisboa não traz elementos de grande novidade quanto à evolução
macroeconómica portuguesa. Também não apresenta perspetivas muito inovadoras
quando à sua compreensão do fenómeno geringonça e dos resultados da gestão macroeconómica
e política de Costa e Centeno. Não é esse, em meu entender, o alcance do artigo
do FT e reconhecer esse alcance não é muito retribuidor para a oposição em
Portugal. O artigo no FT é uma vitória para o governo e para a geringonça em
geral porque divulga e até se identifica com a posição sempre reafirmada de
Costa e Centeno que o governo mostrou que era possível fazer diferente, algo a que
a recente confissão do ex-ministro Schäuble veio dar um novo impulso.
É um facto que o artigo do FT refere a afirmação de Centeno segundo a qual
a viragem da página da austeridade não foi tão dramática como isso. Aliás, só
para discurso político de encantamento de cobras assanhadas é que alguém se convenceria
que isso seria possível. Aliás, como algumas personalidades não propriamente
afetas ao governo e citadas pelo FT o afirmam na reportagem, o êxito político
de Costa e Centeno é o de terem mostrado que é possível a simultaneidade da disciplina
das contas públicas e o aumento da coesão social. É um facto que muitos dos entrevistados
citados sublinham a convergência favorável de condições, incluindo a política
do BCE, como fator de justificação da experiência, não necessariamente repetível
em futuro próximo. Mas na transição para o discurso político eleitoral, Costa e
Centeno já o reconheceram em alguns momentos.
Em meu entender, o alcance demonstrador do desempenho alcançado pelo modelo
macroeconómico da geringonça é outro e não o tenho visto suficientemente registado.
Costa e Centeno vieram mostrar, a posteriori e em função do contexto internacional
que encontraram, que as políticas de austeridade engendradas pelo diretório
europeu e incentivado pelos países do norte da Europa com a Alemanha a chefiar a
orquestra eram uma aberração com a situação internacional em grande quebra de
atividade e com as famílias e as empresas a desalavancar e a reduzir dívidas. O
ajustamento do mercado interno, com a destruição desnecessária, gratuita e típica
de um processo de engenharia social das forças sociais e económicas a ele
associadas, e a alteração forçada para o mercado externo só poderia ter sido
minimizado com melhores condições de enquadramento da procura internacional,
alimentada pela União Europeia (em que os principais não se chegaram à frente não
reflecionando) e internacional (dadas as condições de indeterminação).
A não perceção por parte do diretório europeu das piores condições possíveis
para forçar aquele modelo de ajustamento ficará na história como um dos processos
mais desnecessariamente penosos do ponto de vista social que a história económica
recordará no futuro. Para além de terem desvalorizados os efeitos sobre o rebaixamento
do produto potencial das economias intervencionadas.
Costa e Centeno vieram a posteriori e
noutras condições de enquadramento internacional demonstrar essa irracionalidade.
Não propriamente ignorando a austeridade nas economias do sul, mas mostrando
como nas condições de condições de contexto em que foi praticada não o poderia
ter sido.
A geringonça e mais propriamente Costa e Centeno não precisavam que o artigo
do FT fosse laudatório para ganharem com essa publicação. Precisavam apenas,
como acontece com o artigo, que o desempenho da experiência fosse apresentado, simplesmente
registado com os resultados alcançados em termos de desemprego, emprego e controlo
da situação orçamental.
Mas, poderá perguntar-se, bastará o reconhecimento de que maior coesão
social é possível com contas públicas relativamente controladas para o PS
aguentar positivamente os futuros embates eleitorais. Aqui sou mais reservado.
Já estamos habituados a tiros nos pés para todos os gostos e com os impulsos de
teor populista, mesmo que controlados quando comparados com o que se passa por
esse mundo, que o eleitorado apresenta em Portugal é preciso ter cautela.
É tempo de começar a pensar a geringonça 2 com maior atenção a algumas
transformações estruturais, a começar pela do Estado. Mas aí haverá matéria que
baste para outras reflexões.
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