(Numa França fraturada e recentemente mergulhada em conflitos sociais e de
rua de nova geração, na devastação que o incêndio de Notre Dame representou a resposta
e sentimento populares à tragédia impressionaram-me. A história ensina-nos a explicar a espontaneidade
dessa emoção.)
Praticamente nada mais de importante haverá a dizer sobre a tragédia de
Notre Dame. Na sociedade global em que irreversivelmente estamos mergulhados, é
de facto impressionante como se assiste, num ápice, a uma comunhão efetiva de
tristeza envolvendo os sítios mais recônditos deste mundo. Mas na França fraturada
por diferentes golpes e pela mais estranha ironia do destino quando Macron se
preparava para anunciar os reflexos do seu périplo de debate por toda a França
em resposta à agitação e reivindicações dos coletes amarelos, não pude ficar
indiferente à espontaneidade e sinceridade comoventes da reação dos parisienses
mais anónimos, petrificados perante o acontecimento e a devastação do fogo.
A história ensina-nos a explicar o sentimento coletivo de desolação que se abateu
sobre a França e pelo mundo que tem respeito e admiração pela cultura e civilização
francesas, um marco da nossa herança ocidental que não podemos desprezar,
porque já bastam as ameaças que sobre ela pesam. A explicação está no facto de
Notre Dame ser uma catedral do povo e menos a catedral da realeza. Yvonne Seale
tem no VOX (EUA) uma excelente peça sobre essas raízes, nela incluindo o enorme
esforço coletivo que a sua construção original representou. E vale a pena citar
um pequeno excerto (link aqui): “Não sabemos ainda
qual a forma que a reconstrução irá assumir, mas há algumas certezas: não vai substituir
o que se perdeu, particularmente aquela magnífica estrutura de telhado em
madeira carinhosamente conhecida pelos historiadores como ‘a floresta’. Foi o
resultado de um trabalho em grande medida anónimo de gerações passadas”.
Talvez em contradição com essa dimensão coletiva e popular, as grandes fortunas
francesas chegaram-se à frente e anunciam-se contribuições e donativos que já não
estarão muito longe dos mil milhões de euros.
Felizmente pelo acaso da sorte algumas relíquias foram salvas, seguramente insuficientes
para compensar o que irreversivelmente se perdeu, designadamente o produto do já
mencionado e abnegado trabalho coletivo anónimo (imagens publicadas pela Art Net news, link aqui).
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