sábado, 8 de abril de 2023

IL PRINCIPE DELLA SCIENZA REGIONALE È MORTO

 


(Através de notícia da Regional Science Association International (RSAI), chega-me o pesar da morte de Roberto Camagni, um dos grandes da economia regional e urbana, que tanta influência teve na ciência regional que se faz em Portugal, sobretudo quando os temas da competitividade e da inovação começaram a fazer o seu percurso e a colocar a economia regional e urbana numa mais saudável equiparação com as restantes disciplinas da economia. Quem não se recorda sobre o debate que Camagni travou com Paul Krugman acerca da aplicação do conceito de vantagem comparativa às regiões e territórios, com o economista italiano a ousar desafiar o todo-poderoso Krugman. Não encontrei melhor homenagem possível para este prematuro desaparecimento daquele que era declaradamente o Príncipe da ciência regional, com o seu inconfundível porte e figura milanese, do que traduzir para português o notável obituário que a sua colega Roberta Capello, também do Instituto Politecnico de Milano e que todos os investigadores da ciência regional conhecem bem.)

“Caros colegas,

É com grande tristeza que vos dou a conhecer a morte súbita de Roberto Camagni no dia 3 de abril, com 76 anos de idade em Milão.

Roberto era Professor Emérito de Economia Regional e Urbana no Politécnico de Milão. Licenciou-se em Economia na Universidade Bocconi, em 1973, em Milão, e esteve um ano letivo completo na Universidade da Pensilvânia onde ficou fascinado pelos estudos regionais e urbanos.

O Roberto foi sempre alguém muito ativo na nossa Comunidade. Foi um dos fundadores da secção italiana da Regional Science Association International (AISRe), a que presidiu entre 1989 e 1992. Entre 2003 e 2005, Roberto foi Presidente da European Regional Science Association. Além disso, durante vinte anos (1987-2016), Roberto foi Presidente do GREMI-Groupe de Recherche Européen sur le Milieux Innovateurs, Paris 1 - Panthéon Sorbonne. Em 2010, recebeu o prémio ERSA e em 2017 tornou-se Fellow da Regional Science Association International.

Do ponto de vista científico, Roberto enriqueceu enormemente a nossa disciplina. A influência da Escola Francesa de Philippe Aydalot, do GREMI em cooperação com colegas italianos, Riccardo Cappellin para as análises da competitividade regional e Lidia Diappi e Giorgio Leonardi, dois eminentes analistas de sistemas para os estudos urbanos, foi inicialmente crucial. Com eles, Roberto desenvolveu conceitos como o papel do território na criação de conhecimento local, a “eficiente” mais do que “ótima” dimensão urbana inerente ao modelo SOUDY, e a formação da renda urbana entre a cidade e o campo.

Os anos 1990 e 2000 foram o período mais ativo de Roberto, durante o qual ele produziu um inacreditável e admirável número de trabalhos seminais em todos os domínios da Economia Regional e Urbana. Em 1992, publicou o seu manual de Economia Urbana (posteriormente traduzido para francês e espanhol, mas infelizmente, e lamento-o profundamente, nunca para inglês, o primeiro (e até agora único) manual publicado por um italiano. Na economia regional, foi Nessa fase rica e ativa que Roberto publicou uma crítica da tese provocatória de Paul Krugman segundo a qual as regiões e as cidades competem na base de um modelo de vantagem comparativa à Ricardo, com a muito perigosa consequência de que as políticas regionais não têm razão para existirem. Foi também nesse período que Roberto forneceu evidência da importância dos efeitos (macroeconómicos) no desenvolvimento regional. Ele demonstrou a existência de um inteligente balanço científico entre os macroeconomistas, que ignoram toda a série de efeitos regionais das políticas nacionais e os economistas regionais, então focados no reforço do “modelo de crescimento endógeno regional” lançado em 1970 pela teoria dos distritos industriais e que negavam obsessivamente qualquer papel dos fenómenos económicos nacionais no crescimento regional. Foi nesse período que Roberto se interessou pelo planeamento urbano. Sob a influência da sua mulher, Maria Cristina Gibelli, o interesse de Roberto focou-se no que era então uma nova abordagem do planeamento urbano, conhecido como “planeamento estratégico” e rapidamente tornou-se em conselheiro de vários municípios italianos interessados em desenvolver um plano estratégico para a sua cidade. Foi também nesse período que Roberto entrou no domínio da “sustentabilidade urbana”. Ele deu-nos uma definição mensurável desse conceito e lançou um grande programa de investigação, liderando um grupo multidisciplinar de economistas e planeadores. O resultado foi uma interpretação rica da sustentabilidade urbana quer da perspetiva económica, quer da territorial.

A partir de meados de 2000, Roberto atingiu a sua maturidade plena, orientando o seu grupo de investigação em muitos projetos de investigação inovadores ganhos em ambiente competitivo internacional. Com a sua Escola, Roberto criou o modelo de previsão económica de crescimento regional, incluindo as dimensões macroeconómica, setorial, social e territorial (MASST). Foi nesta fase que Roberto assumiu o desafio colocado pela União Europeia para definir a “coesão territorial”. Fê-lo desenvolvendo uma definição clara e mensurável desse conceito “fuzzy” e lançou um método simples e efetivo para avaliar o impacto de programas e projetos na coesão territorial, que foi aplicado em muitos estudos e citado por vários autores. Foi também nesses anos que Roberto desenvolveu o conceito de “capital territorial”. Esta noção sintetizou todos os ativos potenciais para o crescimento regional, sublinhando a natureza económica de cada um deles, e especialmente cada uma das leis de acumulação e depreciação, de suporte a políticas regionais apropriadas.

Roberto foi também muito ativo como perito de instituições nacionais e internacionais, designadamente a Comissão Europeia, a OCDE, o Plano Urbano (França) e os Ministérios Italianos das Obras Públicas e Indústria, e Governos Regionais Europeus nos domínios da difusão da inovação e do planeamento do desenvolvimento urbano. Entre 1994 e 1998, Roberto coordenou o Grupo de Prospetiva das Cidades, DATAR, Paris. Em 1995, foi nomeado como conselheiro do Primeiro-Ministro Italiano para o ESDP - European Spatial Development Perspective, e foi encarregado do Relatório sobre Políticas e Desenvolvimento Urbanos, apresentado na Reunião de Ministros Europejus em Veneza, maio de 1996, no semestre que a Itália assumiu a Presidência da União Europeia.

Em 1997, Roberto foi nomeado Diretor do Departamento de Assuntos Urbanos da Presidência do Conselho de Ministros, durante o Governo de Prodi. No mesmo ano, Roberto foi membro do Comité para a Reforma da Lei do Planeamento Urbano, para o Ministério das Obras Públicas em Roma. Em 1998, foi-lhe atribuída a preparação do Quadro de Ação para o desenvolvimento urbano sustentável da DG REGIO da Comissão Europeia. E foi conselheiro do Projeto ESPON do Ministério das Infraestruturas, entre 2001 e 2004.

Aposentou-se em 2017, mas estava ainda muito ativo. Durante o período de confinamento, o Roberto escreveu um texto fantástico e admirável sobre Adasm Smith. Depois de um trabalho -confessou-me ele – de dois anos de mergulho integral nos escritos de Adam Smith e da sua atividade científica, o Roberto ofereceu-nos com uma obra inacreditável que nos descobre o legado dessa Grande Pensamento para a Ciência Regional. Com essa maravilhosa publicação, editada sob a designação de “Grandes Pensadores na Ciência Regional”, volume 2, por Peter Batey e David Plane para a Springer, Roberto deixou-nos.

Recordá-lo-emos para sempre.

Roberta Capello

Politecnico di Milano”

 

Ao conhecimento e sabedoria de Roberto Camagni muito devo. Por isso, me associa a Roberta Capello nesta simples homenagem.

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