segunda-feira, 17 de abril de 2023

A FERTILIDADE ASIÁTICA JÁ NÃO É O QUE ERA

 


(Já tinha sinalizado esta matéria em post anterior, focado no imbróglio demográfico em que as autoridades chinesas estão mergulhadas, ultrapassadas que foram pela velocidade da transição demográfica que elas próprias determinaram compulsivamente com a regra do uma criança por casal. Regresso ao tema, não apenas para sublinhar o caso à parte que o Japão ainda representa, mas essencialmente para anotar a sua irreversível tendência à medida que o desenvolvimento socioeconómico se intensifica. Interessa-me sobretudo realçar o potencial que isto representa em termos da cascata da fertilidade, das taxas mais baixas às taxas mais altas, mas até em África a fertilidade pare estar a descer a ritmos não previstos.

 

Embora não se trate de uma lei estrutural determinista, sabemos que uma das consequências do desenvolvimento socioeconómico e da sua aceleração é a redução progressiva da taxa de fertilidade, o número médio esperado de filhos de uma mulher em idade ativa de procriação, pressupondo que ela vai ter a mesma taxa de fertilidade que, atualmente, as mulheres de outros escalões etários apresentam.

Neste contexto, se a referida lei estrutural está certa nos seus contornos fundamentais, então o continente asiático iria forçosamente, com todas as restantes condições constantes, enfrentar um período de redução da fertilidade. O Japão é, por agora, uma aparente exceção, mas mesmo essa exceção é moderada. 1,3 é uma taxa relativamente baixa embora apresente a particularidade de estar ligeiramente acima do valor de taxa de fertilidade suscetível de assegurar mais do que a reprodução simples da população. Mas a Coreia do Sul está já com um valor surpreendentemente baixo, inferior a 1 e países como Taiwan ou Singapura para lá caminham.

Tendo em conta que a redução da fertilidade mais tarde ou mais cedo (dependendo da massa de casais jovens que protagonizam essa redução de fertilidade) se repercute no mercado de trabalho, reduzindo a força de trabalho jovem e pressionando ascendentemente os salários, então a cascata da taxa de fertilidade abre algumas oportunidades aos países que consigam manter apesar do desenvolvimento a sua taxa de fertilidade por algum tempo. De concretização não determinista, enquanto os que apresentam um desenvolvimento socioeconómico mais acelerado tenderão a ver a sua fertilidade reduzida e o seu mercado de trabalho impactado, os países que lhe estão abaixo na cascata demográfica poderão tirar partido durante algum tempo da sua maior dinâmica demográfica e ganhar alguma vantagem competitiva por via salarial. Claro que muitas outras variáveis interferem neste processo além da massa de casais jovens, nomeadamente todas as variáveis que condicionam a determinação da taxa de salário. Mas existe aqui uma espécie de equilíbrio dinâmico natural permitindo que os mais pobres consigam tirar partido do seu maior potencial de juventude.

Entretanto, o sempre perspicaz Noah Smith (1) rapidamente assinalou que a transição demográfica é por vezes demasiado rápida, surpreendendo os decisores, como foi claramente o caso do planeamento familiar compulsivo chinês com a sua limitação de uma criança por casal. Parece ser este também o caso de África, em que a taxa de fertilidade parece estar a reduzir-se a um ritmo superior ao esperado. A possível boa nova é esse facto resultar de um desenvolvimento socioeconómico acima do esperado, com a educação das mulheres a poder assumir outro papel. A má notícia é que a própria África enfrentará proximamente o mesmo problema. Diga-se que, de qualquer modo, o continente africano disporá ainda por alguns anos uma válvula de segurança. Mesmo com o número médio de filhos por mulheres a descer, a massa de jovens mulheres é ainda imensa, pelo que o efeito do fenómeno sobre os mercados de trabalho tenderá a mitigar-se durante um período largo.

Mas, para já e com as evidências que temos, as grandes famílias com um número elevado de filhos, parecem ser não só uma exceção mas sobretudo uma coisa do passado.

(1) https://noahpinion.substack.com/p/five-big-trends-that-have-changed?utm_source=post-email-title&publication_id=35345&post_id=115309518&isFreemail=false&utm_medium=email

 

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