terça-feira, 4 de abril de 2023

COMENTANDO REALIZAÇÕES DO PRR

 


(A convite da Secretaria de Estado do Ensino Superior, estarei amanhã na Sala de Atos Académicos da Reitoria da Universidade de Aveiro a participar num painel de discussão, moderado pelo Presidente da Comissão Nacional de Acompanhamento do PRR, Professor Pedro Dominguinhos, que constituirá o único momento de discussão de uma longa sessão de apresentação do ponto de situação e desenvolvimento dos projetos financiados pelo PRR, no âmbito dos Programas Impulso Jovens STEAM e Impulso Adultos, no período 2021-2026. A base de interesses pessoais e de investigação para comentar esta dimensão de intervenção do PRR em matéria de qualificações de recursos humanos desdobra-se por três entradas: (i) avaliar esta dinâmica de produção de novas qualificações à luz da evolução dos sistemas de inovação territoriais em evolução no território continental; (ii) apreender de que modo está ou não em formação um novo sistema que designaria de sistema de educação e formação em que a formação de jovens e de adultos possa ser mais articulada; (iii) avaliar em que medida sobretudo o programa IMPULSO JOVENS STEAM poderá contribuir para uma lufada de ar fresco em matéria de ambientes de aprendizagem nas Universidades e nos Politécnicos ou se, pelo contrário, a inércia organizacional que domina muitas destas instituições irá absorver estes financiamentos e alongar por mais algum tempo as gorduras de ausência de inovação pedagógica e de contextos e métodos de aprendizagem na formação superior.

Começo por uma pequena nota sobre a designação STEAM, com a qual poderão não estar muito familiarizados e que, em meu entender, é muito mais do que uma simples sigla de notação de algumas disciplinas ou áreas de conhecimento.

A sigla é anglo-saxónica, pois claro, e agrupa as iniciais de Ciências, Tecnologias, Engenharias, Artes e Matemáticas. Durante algum tempo, a sigla tinha quatro letras apenas, STEM, e mais recentemente o A foi acrescentado e logo essa aparente pequena diferença pode fazer muita diferença no entendimento que vá além de uma simples designação de um conjunto de disciplinas. Tendo por referências algumas orientações internacionais (Comissão Europeia, OCDE e outras) que se debruçaram sobre quais seriam as competências críticas para o século XXI, onde se destacam a adaptação e a capacidade de utilizar o digital e as suas ferramentas, o pensamento crítico, a criatividade, o espírito colaborativo e a capacidade de comunicar com os outros. Muito boa gente entendeu a inclusão do A das Artes nesta sigla como uma espécie de cereja decorativa, embalada na ideia de “para não dizerem que não se falou de cultura”. Ora, a junção das artes a este complexo pedagógico tem que ver com a criatividade e com o espírito crítico e sentido mais integrado dos problemas que há para resolver, desafiando as instituições de ensino superior (IES) e não só para uma integração desafiadora entre artes e tecnologia e para organizar os contextos de aprendizagem e a própria vida das Escolas com atribuição de um lugar proeminente à criação artística na transformação da vida interna das instituições.

Olhando para o programa do evento amanhã, percebe-se que é uma sessão de apresentação do progresso dos projetos apresentados pelos diferentes consórcios, Universidades, Institutos Politécnicos, empresas e outras organizações, na sequência dos 33 Contratos-Programas assinados e que constam da brochura produzida pela Comissão Nacional de Acompanhamento do PRR.

E esta é a minha primeira nota para amanhã. A resposta ao financiamento do PRR materializou-se num ambiente de forte diversidade colaborativa, percorrendo os dois programas, o IMPULSO Jovens STEAM e o IMPULSO Adultos através dos quais estarão em linha projetos de aprendizagem ao longo da vida, mas essencialmente Cursos Técnicos de Estudos Superiores (CTeSP). Diversidade colaborativa a vários níveis: (i) Colaboração entre diferentes Universidades; (ii) Colaboração entre diferentes Politécnicos; (iii) Colaboração entre Universidades e Politécnicos e suas Escolas Superiores; (iv) colaboração com outras empresas e organizações, incluindo entidades da administração social. É óbvio que toda esta dinâmica colaborativa tem de ser posteriormente avaliada, verificando se saiu do papel, deu frutos e teve ou não implicações organizacionais. Mas a génese destes contratos-programa, trazendo a prática da colaboração institucional para cima da mesa e da génese das operações a apoiar só por si representa uma mudança num sistema, as IES, onde a cooperação no interior do sistema e interiormente às próprias entidades é muito reduzida, repletas de silos que são o oposto da integração e da multidisciplinaridade.

Mas esta diversidade colaborativa envolve também as empresas. O que é, em meu entender, fundamental para a lógica dos sistemas de inovação, em que mais importante do saber “quem é quem?” é decisivo compreender “quem coopera com quem?”. E, além disso, essa diversidade colaborativa com as empresas constitui um processo crucial na mitigação das dificuldades do matching entre quem forma qualificações e procura competências, segundo uma lógica avançada de abordagem à empregabilidade e às carências de competências.

E pelos consórcios-projetos que amanhã se apresentarão em Aveiro esta diversidade colaborativa apresenta também uma virtuosa inscrição territorial, tirando partido da organização espacial do sistema de formação superior em Portugal, universitária e politécnica. Pode discutir-se se a organização existente é totalmente sustentável e propícia à formação de massas críticas de excelência. Mas essa questão tem um reverso – a organização espacial deste que devidamente trabalhada pode constituir um importante fator de coesão territorial e por isso tenho defendido que parte do financiamento destas instituições não pode decorrer apenas do financiamento do ensino superior, mas também da área do desenvolvimento regional.

A questão talvez mais controversa e que não estou seguro se haverá tempo para a discutir com a atenção que merece, prende-se com o entendimento científico internacional segundo o qual a abordagem STEAM não é apenas um conjunto de áreas de conhecimento é também uma nova metodologia de aprendizagem e de formação de competências. Em primeiro lugar, a passagem de uma lógica STEM a uma lógica de STEAM tem importantes implicações nos processos de aprendizagem, dada a enorme relevância que as Artes assumem na desconstrução de uma educação NOT FOR PROFIT, para utilizar as palavras de uma das minhas musas intelectuais, a filósofa americana Martha Nussbaum. A abordagem STEAM faz parte de uma família vasta de metodologias e processos de aprendizagem orientados para o pensamento crítico, para a criatividade, comunicação e colaboração e que abre ao aluno novas perspetivas de formação de competências, com resultados em matéria de criação de interesse pela aprendizagem, criatividade, competências de resolução de problemas e outras competências cognitivas e comunicacionais. Não é por acaso que existe imensa literatura de avaliação de experiências de articulação entre formações STEAM e metodologias de aprendizagem baseadas em projetos (Project-based learning) ou de aprendizagem baseada na investigação (inquiry-based learning).

É neste último ponto que se concentra a minha principal curiosidade. Será que esta vaga de projetos IMPULSO JOVENS STEAM ( e em parte extensível aos CTeSP) vai dar origem a uma vaga de inovação nos contextos de aprendizagem das principais instituições universitárias e politécnicas que estão representadas nos consórcios a apresentar amanhã em Aveiro, com reflexos na organização interna dos próprios campus? Ou será que a inércia organizativa vai engolir a sigla e o financiamento, sem ceder uma linha na sua rigidez de funcionamento, ensinando coisas a falar de inovação e criatividade, mas sem compreender que os contextos em que o faz são a negação desse espírito de inovação e criatividade?

É simplesmente uma curiosidade de avaliador especialmente interessado em ambientes ou contextos de aprendizagem criativa e inovadora.

Talvez esteja a ser algo otimista, mas estou certo que nas ideias que serão amanhã apresentadas irei perceber a existência de sinais promissores.

Oxalá.

Uma palavra final para referir que, sobretudo no caso dos Jovens STEAM, a formação de novas qualificações superiores, embora ainda mantenha uma diferença de retorno para a formação secundária e básica, esse retorno diferenciado está a descer (embora ainda elevado de 44% face ao secundário), com exceção da formação de mestrados (com prémio de 15% face às licenciaturas e de 43% face ao secundário). Tal como o Estado da Nação da Fundação José Neves (Farfech) 2022 (1) o evidencia, no período até à pandemia, 2011-2019 (equipa em que participou o meu filho Hugo Figueiredo), só os menos qualificados aumentaram os seus salários (efeito positivo do salário mínimo), tendo as formações do secundário e superior visto descer os seus salários, respetivamente, em 3 e 11%. Matéria que só por si nos conduziria a uma longa discussão.

(1) https://joseneves.org/pt/estado-da-nacao-2022

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