domingo, 16 de abril de 2023

LULA E AS HIPOCRISIAS DA POLÍTICA EXTERNA

 


(A vinda de Lula a Portugal e a confusão gerada na pobreza do nosso debate político pela sua ida ou não ida ao Parlamento na data do 25 de abril tinham toda a matéria do mundo para se transformar num caldo de hipocrisias, sobretudo atendendo ao momento internacional que o mundo atravessa. Se a matéria já era viscosa com o simples facto de Lula ter ganho eleições no Brasil quando uma parte do nosso xadrez político se torceu todo para ocultar a sua vã intenção de regozijo com uma possível vitória de Bolsonaro, agora depois da ida de Lula à China e da sua posição em relação ao conflito gerado pela invasão da Ucrânia pela Rússia o caldo de hipocrisias no domínio da política externa ficou no ponto As notas para o post de hoje incidem precisamente neste caldo de hipocrisias da política externa.

 

A posição do Brasil na diplomacia externa portuguesa constituiu sempre um exemplo de desigualdade e de desencontros, que se estende depois à missão impossível dos PALOP e que se deve a um facto que nós Portugueses tendemos a desvalorizar, mas que este Vosso Amigo, desmancha-prazeres por natureza, se recusa a fazê-lo. O problema óbvio é que o colonizado se transformou uma promessa de potência emergente, integrando o mundo dos BRIC que, independentemente de ser uma eterna promessa, introduz em todo o processo uma gritante incomodidade e de solidariedade efetiva estamos aviados.

Ora, qualquer que seja a nossa posição sobre os rumos possíveis do conflito ucraniano, e neste blogue penso que tenho sido claro sobre essa matéria, o que não podemos ignorar é que, ao contrário deste país pequeno, que já foi grande mas que já não o é, que não pode deixar de seguir a orientação da política externa europeia, o Brasil tem dimensão e inserção internacional para ser diferente.

Não vou discutir a posição de Lula sobre o conflito e sobre o relacionamento que pretende estabelecer entre o Brasil e a China, sobretudo o seu discutível conceito de paz para o processo. Mas a posição de Lula concretiza simplesmente o propósito dos BRIC de procurar um posicionamento internacional que não se confunda com o dos Estados Unidos. Tem dimensão para isso, tem legitimidade para o fazer e sabemos que Lula não esconde a sua proximidade a um posicionamento latino-americano que não morre de amores com essa proximidade acrítica com a política externa americana.

Ora, quando em termos de política externa Portugal pretende reaproximar-se do Brasil e ensaiar que os PALOP possam beneficiar da relação com uma potência emergente, não podemos transformar-nos em virgens ofendidas e exigir retratações para assegurar a visita de Lula ao Parlamento português. O Brasil é um vértice da nova organização geopolítica mundial que pode nascer do conflito ucraniano e o diálogo possível não pode pretender que o país de língua portuguesa se aproxime necessariamente das posições que Portugal tem de assumir no seu enquadramento na União Europeia. O Brasil tem legitimidade e dimensão para poder assumir o posicionamento que pretenda, mesmo que o consideremos discutível.

Por isso, todas estas virgens ofendidas que exigem clarificação ao primeiro-Ministro, ao Governo e ao Presidente da República fazem parte do ambiente crispado e de euforia pelas insuficiências governativas atuais. No relacionamento Portugal-Brasil, por muito que isso nos possa chocar ou mesmo ofender, o lado dispensável somos nós e não o Brasil. Por isso, sem hipocrisias, se quisermos manter um relacionamento estável com o Brasil e dele poder retirar possíveis ganhos económicos e culturais, o primeiro ponto é o de reconhecer que ao Brasil assiste a possibilidade e dimensão para pretender um posicionamento não tão ditado pelos ditames de Washington. Se não o entendermos, o relacionamento continuará a ser pautado pela insuportável hipocrisia dos últimos tempos.

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